Precisamos Falar Sobre a Disney

Precisamos falar sobre a Disney.

Não importa o quanto você sonhe em ver o Wolverine brigando com o Incrível Hulk ou como Tony Stark encararia Magneto, a compra da FOX pela Disney é uma notícia muito ruim. E embora boa parte do foco no mundo pop tenha sido a unificação da franquia Marvel dentro da Disney (tanto os X-Men quanto o Quarteto Fantástico pertenciam à FOX), a concentração de forças no sistema de estúdios passa longe de ser algo a se comemorar.

Sempre houve algo sinistro logo abaixo da superfície da Disney. Sim, o conglomerado sempre foi reconhecido por ser uma Fábrica de Sonhos. Seus parques temáticos atraem milhões anualmente, seus filmes e canais de televisão sempre adotaram como princípio evitar polêmicas e pensar em termos de família. Nada disso, contudo, foi capaz de abafar os pequenos escândalos e revelações de uma empresa que valoriza o lucro acima de tudo e não tem medo de entrar em território pantanoso para garantir o fim de ano de seus acionistas.

Só mais um gigantesco conglomerado global tentando dominar o mundo.

Toda a história da Disney possui passagens obscuras e mencioná-las aqui seria como querer biografar qualquer grande corporação global cheia de esqueletos no armário. Afinal, por trás de toda grande fortuna há sempre um grande crime, já diria o velho adágio, e com a Disney não seria diferente.

Mas, no último ano, o estúdio parece ter adotado uma postura mais agressiva e a compra de um grande concorrente coloca uma cereja em um ano em que o estúdio flertou com a censura de jornais e pressionou cadeias de cinema utilizando todo o seu poder financeiro.

Se você não ouviu falar dos dois últimos casos, é porque não repercutiu muito por aqui, mas acredite, passou longe de ser algo digno de uma empresa “de família”.

No caso da censura, a Disney bloqueou acesso antecipado ao crítico do Los Angeles Times para Thor: Ragnarok, dentre outros lançamentos, devido a uma notícia publicada pelo periódico considerada injusta pelo estúdio – detalhe, a notícia nada tinha a ver com cinema, mas sim com o parque temático da Disney em Anaheim, na Califórnia. O fato gerou tamanha revolta entre os críticos de cinema e mídia em geral que a Disney voltou atrás.

O segundo caso é sobre a Disney pressionando as salas de cinema nos Estados Unidos acerca do lançamento de Star Wars – Os Últimos Jedi (2017). O resumo da ópera é que a Disney criou ainda mais imposições para os cinemas interessados (ou seja, todos) em passar o novo lançamento da franquia, previsto de ganhar todo o dinheiro do mundo atingir acima de USD 700 milhões na bilheteria apenas nos EUA. Basicamente, aumentou a fatia da renda de bilheteria destinada ao estúdio (reduzindo assim a fatia de cada cinema) e exigiu pelo menos quatro semanas de exibição na melhor sala de cada Multiplex (ou pagamento de multa). Basicamente, a Disney fez uma tentativa de forçar os cinemas a privilegiar o seu filme em vazão dos demais mesmo após a euforia do lançamento, prejudicando novos lançamentos de outros estúdios.

E a Disney faz isso porque pode.

Nos últimos anos, o estúdio dominou a arte de imprimir dinheiro, figurativamente. Dividindo seu negócio em sub-estúdios – Lucasfilm, Marvel, Pixar, Disney Animation, Disney Pictures, etc. – e cada um parece ter desenvolvido uma fórmula concreta para lançamentos de filme com um tom, temas e humor específico, adotando poucos riscos, agradando críticos, criando fãs e atraindo milhões de pessoas ao mesmo tempo.

E não há nada de muito errado com isso. Estúdios são grandes negócios e quanto menos conseguirem reduzir o risco em seus investimentos, melhor, mesmo que em sacrifício da originalidade. A Disney conseguiu uma fórmula para fazer produtos filmes de super-heróis da mesma forma como voltou a reinar sobre o mundo da animação, como está construindo uma fórmula para Star Wars e está refilmando seus clássicos de animação para atingir novaos consumidores audiências. Ganhar dinheiro focando em produtos consistentes, garantindo a satisfação do cliente, reduzindo erros de produção, como qualquer grande empresa global, é o sonho atual de uma indústria criativa que historicamente enfrenta altíssimo risco, mas também grandes margens de lucro. A Disney apenas disparou na frente dos outros estúdios.

Eu vou cometer o erro de mostrar alguns números em um blog voltado para o setor cultural, mas tenha paciência, caro leitor, e aprecie a tabela abaixo.


O leitor mais atento vai perceber a baixa diversidade nos estúdios, algo que é normal – chegaremos aí mais adiante. Mas também perceberá que uma recorrência ano a ano dos produtos filmes da Disney entre os mais assistidos. Isso é algo “OK”. Blockbusters sempre existirão e criar uma máquina de fazer blockbusters com qualidade semelhante me parece uma evolução natural do sistema de estúdios.

Mas, ao mesmo tempo em que não deixo de assistir a nenhum lançamento da Disney no cinema, pagando principalmente meu imposto da Marvel duas ou três vezes ao ano, essa é uma tendência que dispara o meu sentido aranha loucamente. Reduzir os riscos fazendo histórias previsíveis e de fácil degustação é algo excelente para fazer dinheiro, mas péssimo para a criatividade. Altos riscos tendem a gerar altas recompensas e quando diretores e roteiristas têm mais liberdade para isso, melhor.

Mas, novamente, não há nada errado na Disney ser a líder em blockbusters.

O problema, ao meu ver, acontece quando analisamos o que acontecerá após esta fusão no sistema de estúdios de Hollywood. Sim, sempre houve um oligopólio de poucos grandes estúdios dominando grandes fatias do mercado. Me perdoe novamente, caro leitor, e preste atenção ao gráfico de pizza abaixo – concentre-se na ideia de “pizza”.

Se pegarmos como exemplo o ano de 2016, ao comprar a Fox, a Disney chegaria a quase 40% de Market Share. Isso não se trata da prática comum da Disney de comprar estúdios menores/específicos ou propriedades que possam agregar a marca. A compra da Fox indica um desequilíbrio do sistema de estúdios: menos lugares possíveis onde os diretores e roteiristas possam bater na porta e oferecer projetos, menos concorrência e maior poder de barganha na mão da Disney – algo que pode levar a práticas pouco éticas, como fizeram com críticos e com as redes de cinema este ano.

Me incomoda o cinema formuláico da Disney, mais do que me agrada a consistência no entretenimento de seus filmes. Eu vou ao cinema sabendo o que esperar ao assistir Thor ou Guardiões da Galáxia e isso não é bom, pois se trata apenas de repetir experiências anteriores. Nada realmente novo e nada realmente excitante. Por todos os muitos problemas da Fox, não se pode negar a tendência ao risco dos últimos anos e que trouxe grandes recompensas. E para citar apenas o caso das propriedades da Marvel: Deadpool (2016) e Logan (2017) jamais teriam nascido dentro do universo expandido da Marvel ou sob a tutela da Disney.

Mas isso vai muito além da Marvel. A Disney também está botando suas mãos nos estúdios de animação da Fox, da qual fazem parte filmes como A Era do Gelo e Rio. Quer mais? Em uma só tacada, agora a Disney é dona das franquias Duro de Matar, Independence Day, Alien, Planeta dos Macacos e fucking Avatar. Ah, e o que mais?

Os Simpsons.

Que previram isso 20 anos atrás, claro. (É sério.)

O que era um oligopólio de poucas empresas, agora se desequilibra em muito em favor de apenas um estúdio, com muito mais poder de barganha para negociar salários e projetos com atores, diretores, roteiristas, fornecedores, cadeias de cinema, pressionar críticos, etc, etc, etc. A Disney já anunciou a saída de seus filmes do catálogo da Netflix para criar um serviço de streaming próprio, aumentando o controle sobre a distribuição dos seus produtos, algo que muito lembra o antigo sistema de estúdios americano – que precisou ser quebrado por intervenção do governo.

Então, antes de comemorar o inevitável filme conjunto do Homem-Aranha com o Deadpool (censurado) e que vai fazer USD 1 Bilhão na bilheteria mundial, considere por um minuto todo o dano que é a perda de mais um gigante do mercado. Não que o oligopólio do sistema de estúdios seja algo bom – não é. Mas quando ele fica ainda menor e mais controlado, aí que os problemas ficam realmente mais sérios.

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Diego Paes
Formado em Relações Internacionais, Mestre e talvez Doutor (me dê alguns meses) em Administração, mas que tem certeza de que está na área errada. Pode ser encontrado com facilidade em seu habitat natural: salas de cinema. Já viu três filmes no cinema no mesmo dia mais de uma vez e tem todas as fichas do IMDb na cabeça. Ainda está na metade da lista dos Kurosawa e vai tentar te convencer que Kieslowski é o melhor diretor de todos os tempos.
Diego Paes

Diego Paes

Formado em Relações Internacionais, Mestre e talvez Doutor (me dê alguns meses) em Administração, mas que tem certeza de que está na área errada. Pode ser encontrado com facilidade em seu habitat natural: salas de cinema. Já viu três filmes no cinema no mesmo dia mais de uma vez e tem todas as fichas do IMDb na cabeça. Ainda está na metade da lista dos Kurosawa e vai tentar te convencer que Kieslowski é o melhor diretor de todos os tempos.

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