Era algo prenunciado no trailer, mas ninguém poderia saber. “Deixe o passado morrer”, avisou Kylo Ren (Adam Driver). “Mate-o se for necessário”. A impressão que temos é que Star Wars – Os Últimos Jedi (Star Wars – The Last Jedi, 2017) tenta com todas as forças reformar o universo Star Wars, aumentando suas possibilidades, ao mesmo tempo em que tenta (finalmente!) colocar um fim na saga dos Skywalkers, o que até então foi o principal mote da série.
Isso não poderia ser feito sem gerar devida revolta entre os fãs da série. Mas vamos por partes.
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Em Os Últimos Jedi, encontramos os personagens logo após os eventos de O Despertar da Força. Rey encontrou um Luke Skywalker amargo e cínico acerca dos caminhos dos Jedi, nem um pouco disposto a sair de seu isolamento ou passar para frente seus conhecimentos. Com muita relutância, Luke resolve passar adiante apenas três lições sobre os Jedi. Paralelamente, a Resistência, liderada pela General Leia Organa, está acuada e em fuga. Uma frota da Primeira Ordem está em sua cola e Kylo Ren, ainda em conflito pelo parricídio cometido, tenta concentrar-se em sua missão pessoal de tornar-se ainda mais poderoso e legítimo sucessor de Darth Vader, a qualquer custo.
Dizer mais do que isso teria o potencial de incorrer em spoilers desnecessários de um filme que é divertido e original, embora longe de ser perfeito, e que perde um pouco a escala épica de O Despertar da Força. Faz isso, contudo, em função de uma trama que funciona perfeitamente como um segundo ato em uma trilogia que surge com a proposta de reviver o universo Star Wars e encontrar uma nova audiência.
Até pelos elementos elencados – uma resistência sob ataque e um jovem em busca de treinamento com um experiente Mestre Jedi em um lugar remoto – temos a impressão de que o filme fará uma releitura dos eventos de O Império Contra Ataca, assim como O Despertar da Força fez com Uma Nova Esperança, o primeiro filme da série. Esta impressão, contudo, se esvai logo ao percebermos que por mais que estejam ali tie fighters, sabres-de-luz, a Milenium Falcon, AT-AT Walkers, o diretor e roteirista Rian Johnson toma decisões a todo o momento que acabam por levar o filme, e agora toda a série, em uma nova direção.
Se com O Despertar da Força uma das grandes críticas foi a alusão demasiada ao filme original da série, aqui as críticas surgem pelo motivo oposto. Há uma grande cisão entre a opinião dos críticos – quase universalmente positiva – e dos fãs da série, que se encontram profundamente divididos. Há razão para isso, ao consideramos que as respostas às grandes expectativas geradas em O Despertar da Força podem parecer anticlimáticas para quem gastou horas e horas em fóruns na internet ou mesas de bar discutindo sobre a árvore familiar da Rey ou de onde veio o Supremo Líder Snoke. Ao mesmo tempo, à sua maneira, o filme dá respostas satisfatórias a estes questionamentos e que fazem sentido para o futuro que se pretende dar a série, desprendendo-se das antigas correntes.
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Não ajuda muito ao debate o fato de o filme, embora muito divertido, estar longe de ser perfeito. Sim, Os Últimos Jedi sofre de alguns males comuns da série, como diálogos ruins e momentos bregas, mas também possui algumas falhas pessoais muito particulares. O filme se arrasta muito no segundo ato, perdendo longos minutos em uma sequência inteira em um Cassino (???) que, embora faça sentido na trama, perde o foco da narrativa e transparece como profundamente desnecessária. Roncos foram ouvidos durante essa parte do filme – mas, verdade seja dita, eles advinham de não-fãs, na última sessão do dia, arrastados quase coercitivamente para dentro do cinema.
Uma vez que a trama começa a se desenrolar, no entanto, o filme apresenta alguns momentos verdadeiramente épicos e diálogos sagazes que certamente se transformarão em clássicos automáticos – que obviamente não serão mencionados ou aludidos aqui para não estragar a experiência dos espectadores. É suficiente dizer que estas sequências, lindamente filmadas, povoam o terceiro ato do filme com cor e ação combinados com profundo significado e substância para o universo em questão e que elevam Os Últimos Jedi a um lugar especial dentro da série, justificando todo o apreço da crítica.
Também ajuda o filme o fato de ter herdado personagens muito interessantes. Kylo Ren (Adam Driver) continua como ponto alto da nova trilogia, mostrando ao mesmo tempo poder, fragilidade e insegurança em um personagem complexo e muito digno da série. Seu contraponto na luz, Rey (Dasiy Ridley), possui bom carisma e a interação entre os dois personagens conduz alguns dos melhores momentos do filme, mostrando grande promessa para o episódio IX. Na Resistência, Poe Dameron (Oscar Isaac) mostra-se um sucessor digno à figura do Han Solo, embora mais idealista, e Finn (John Boyega), bem… digamos que ele funciona melhor acompanhando Rey do que a mecânica Rose Tico (Kelly Marie Tran). Luke Skywalker (Mark Hamill) e Leia (a finada Carrie Fisher, em seu último papel), ganham muito mais o que fazer aqui e executam seus papeis de mentoria da nova geração com perfeição.
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Embora haja um sofrimento por buscar uma cisão com antigos temas da série, este processo de transformação é profundamente necessário. Existe um segredo que poucos entusiastas sabem, mas o universo de Star Wars é muito limitado. Mesmo sendo uma história contada em escala épica e com elementos fantásticos interessantíssimos, todo o universo fora da saga da família Skywalker, é, até aqui, chato. É bem chato. Um dos grandes problemas dos episódios I, II e III, foi achar que alguém que se importava com disputas de poder, a força, o senado galáctico, etc, etc, quando na verdade estes elementos sempre foram apenas pano de fundo para a história principal: a vida e os tempos de Anakin Skywalker, vulgo Darth Vader e o seu clã. Os Últimos Jedi ainda não consegue se desprender inteiramente desse conflito de família, mas se une à Rogue One chutando a bola no sentido de que o universo pode ser muito maior: a esperança pode vir de qualquer lugar, a Força age de forma misteriosa e não é um privilégio genético, e a salvação da galáxia está no heroísmo de cada um.
Rian Johnson realizou um feito e tanto ao conseguir que a Disney permitisse que ele assinasse o roteiro além de dirigir o filme, algo que é raro com as principais propriedades do estúdio. Johnson mostra a mesma competência demonstrada em Looper – Assassinos do Futuro e A Ponta de um Crime, com ousadia e ideias pouco convencionais em filmes divertidos e originais que possuem uma grande capacidade de subverter expectativas e clichês. Estes, assim como Os Últimos Jedi, são filmes que passam longe da perfeição, mas com grande poder de entretenimento e com ideias que fazem sentido dentro da lógica do universo construída.
Por fim, vamos a um nono filme sem qualquer certeza sobre o que esperar. É possível que o retorno de J.J. Abrams signifique um filme mais seguro e pés no chão, preocupado em satisfazer a base de fãs. Mas será difícil desfazer o direcionamento futuro dado por Os Últimos Jedi em busca de um universo mais rico, com mais personagens interessantes e novas ideias por serem exploradas.
Formado em Relações Internacionais, Mestre e talvez Doutor (me dê alguns meses) em Administração, mas que tem certeza de que está na área errada. Pode ser encontrado com facilidade em seu habitat natural: salas de cinema. Já viu três filmes no cinema no mesmo dia mais de uma vez e tem todas as fichas do IMDb na cabeça. Ainda está na metade da lista dos Kurosawa e vai tentar te convencer que Kieslowski é o melhor diretor de todos os tempos.