Resgatando a infância no Dia das Crianças

Não raramente, crianças, adolescentes e até mesmo adultos preocupam-se muito mais com o que ganharão que com o que viverão em aniversários e datas comemorativas. Frustrada com o fato de que, a cada ano, mais crianças ganham iPads, celulares e Xboxes e menos pulam na piscina, jogam bola e fazem algo sociável e divertido no dia das crianças, resolvi tentar dar a mim mesma, em plena terceira década de vida, uma dose de infância.

Não foi difícil selecionar um lugar para isso, na verdade, nunca faltam programações nesse dia 12 de outubro. Descartei os shoppings de cara e, ao fim, me restaram, basicamente, os eventos do Parque das Dunas e do Solar Bela Vista. Optei pelo Solar Bela Vista, primeiramente porque eu ajudaria em uma sessão de cinema promovida pelo Cineclube Natal, além de que julgo o ambiente mais intimista. A programação matinal incluía, além do cineclubismo para crianças, oficinas e apresentações circenses, e outras oficinas diversas no âmbito da criação.

 

Logo que cheguei ao Solar, por volta de 9h20, vi duas oficinas acontecendo na região externa do prédio, sobre a grama, perto das árvores. A primeira, Tecido e Acrobacia Aérea. “Olha, é assim que vocês têm que fazer, tem que colocar força, enrola o pé e coloca força no braço. Vai subindo com cuidado”, explicava Luíza Guedes, ao mesmo tempo que ilustrava os movimentos com o próprio corpo. Luíza era a monitora da oficina e também integrante do grupo de artes circenses Tropa Trupo. “E agora, quem vem?”, convidava. Algumas crianças, dentre as quase vinte que acompanhavam a oficina naquele momento, permaneceram tímidas. A maioria se empolgou com a ideia. O primeiro a enfrentar o desafio de subir no tecido de mais de quatro metros é um garoto que parece receoso, mas ainda assim tenta. Sem muito sucesso em um primeiro ensaio, ele logo se afasta, tímido e resolve dar a vez a outro. Mas Luíza é insistente. “Mas já desistiu? É assim mesmo, a gente não aprende de primeira. Vai lá. Tenta de novo.”

Oficina de Tecido e Acrobacia Aérea

Enquanto isso, algumas mães e pais observam de perto as atividades e se divertem com os sucessos e frustrações iniciais dos filhos. Lia Marques é mãe de Ana Luíza, uma garota de 8 anos energética e simpática. Comecei a conversar com Lia e logo descobri que ela não conhecia o Solar Bela Vista (um dos prédios históricos mais portentosos e de maior importância cultural na cidade) até esse dia. “Eu vi a divulgação no Facebook, e quando a Luíza viu, quis logo vir para cá. É muito difícil achar uma programação dessas, com oficinas para aprender atividades de circo.”

É o primeiro ano que o Solar Bela Vista organiza uma programação especial para o dia das crianças. Dodora Guedes, gerente do lugar, explica que a ideia foi unir toda a programação regular do Solar, mas agora direcionada para o público infantil. Isso inclui: atividades circenses, oficinas artísticas, cinema, teatro e música. Ficou de fora apenas a dança, por uma questão de tempo. “A programação ficaria muito apertada, então tivemos que cortar a dança, infelizmente. Mas estamos programando algo voltado para o público infantil para o próximo mês a fim de suprir essa falta hoje”, explica Dodora.

Uma das atividades da oficina de malabarismos

Quando volto a atenção para os tecidos, me deparo com um garoto quase no topo do galho da árvore onde o tecido estava amarrado. “Esse daí já dá para trabalhar em circo”, estimula a monitora. Artur (fotos abaixo), o jovem talento circense, estava deveras empolgado com a brincadeira. Quem assiste às suas habilidades motoras, nem imagina que o que ele quer ser quando crescer é programador de videogames. Mas nessa manhã, ele preferiu as acrobacias e malabares aos controles remotos.

Estimulada pelo sucesso de Artur, Ana Luíza encara os tecidos. Com um pouco mais de dificuldade que o colega, ela consegue subir em torno de um metro. Era suficiente, desafio cumprido. Pulou fora do mundo das acrobacias e correu para a oficina da malabares, onde as crianças aprendiam, primeiro, a construir as bolas (feitas de borracha e farinha) com que iriam aprender a fazer malabarismo.

Crianças produzem seus próprios instrumentos para malabarismo

Numa sala ao lado, a oficina da vez era de estampagem com estêncil, onde são utilizados moldes prontos e tinta de serigrafia para estampar formas diversas. Os irmãos Suzana, 12, e Silas, 14, eram os únicos na oficina, e pareciam adorar o fato de terem todos os moldes só para si. Ambos gostam de desenhar, daí optaram pela oficina da técnica que mais se aproximava a isso.

Os irmãos Suzana e Silas aprenderam técnicas artísticas na oficina de estampagem com estêncil

Um pouco mais adiante, Luca, 8, Jéssica, 7, e Vitória, 5, participavam da oficina de brinquedos com o desenhista Emanoel Amaral. Eles estavam aprendendo a fazer desenhos animados em papéis. O processo parecia mais fácil para alguns, e mais complicado para outros. A certa altura, na hora de fazer um passo crucial para a finalização do processo, Emanoel começa a ajudar Vitória, que estava com dificuldades, e explica: “Vamos lá, deixe eu ajudar, realmente essa parte não é tão fácil assim para crianças”. Enquanto isso, Luca já estava terminando o seu desenho animado e solta, empolgado: “É assim? Olha! Eu já estou fazendo!”

Os três jovens animadores não sabiam que teriam uma pequena vantagem na compreensão do primeiro filme da sessão de cineclubismo, que começou às 10h30. Era o filme “Animando”, do brasileiro Marcos Magalhães, que explica a construção e várias técnicas de animações. Em seguidas, foram exibidos, acompanhados de pipoca, os curta-metragens “A arte da sobrevivência” (The Art Of Survival), “A casa no topo do mundo” (Au bout du monde) e “O Deus” (The God).

Sessão cineclubista coordenada por Nelson Marques, do Cineclube Natal

Ao fim do cinema, a pedida foi a matinê Tropa Trupe, com os palhaços Fino, Piruá e Sula. Em torno de sessenta crianças sentaram no chão do saguão do Solar Bela Vista para dar boas gargalhadas com os três personagens. A essa altura, a fome começava a falar mais alto e retornei para casa. A programação  prosseguiria até o início da noite de hoje, com mais oficinas, cinema e apresentações de teatro e música.

Matinê Tropa Trupe com os palhaços Fino, Piruá e Sula

A todo instante, durante a minha estada, esperei a manifestação de uma criança que preferiria brincar com o tablete da mãe a participar das oficinas, ou que cobrasse jogos de vídeo games, ou ainda que questionasse a ausência de presentes. Mas esse momento não chegou. Felizmente.

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Andressa Vieira
Jornalista, cinéfila incurável e escritora em formação. Típica escorpiana. Cearense natural e potiguar adotada. Apaixonada por cinema, literatura, música, arte e pessoas. Especialista em Cinema e mestranda em Estudos da Mídia (PPgEM/UFRN). É diretora deste site.
Andressa Vieira

Andressa Vieira

Jornalista, cinéfila incurável e escritora em formação. Típica escorpiana. Cearense natural e potiguar adotada. Apaixonada por cinema, literatura, música, arte e pessoas. Especialista em Cinema e mestranda em Estudos da Mídia (PPgEM/UFRN). É diretora deste site.

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