Séries sexistas, assédios e Julien Blanc: não é fácil ser mulher

Já faz algum tempo que tenho tentado me envolver cada vez mais com o feminismo. Isso aconteceu provavelmente pelas péssimas experiência com sexismo ou por todas as vezes que me senti estereotipada e não-representada pela mídia.

Estava em uma pizzaria quando estreou a nova série do Fantástico, chamada “Eu que amo tanto”, inspirada no livro de Marília Gabriela. Pelo que me informei, a publicação é baseada em histórias reais e quem sou eu para desmerecer a vivência de cada um. Mas a verdade é que, mesmo ouvindo muito pouco do diálogo, apenas com as cenas e com o que interpretei, me senti extremamente ofendida e reduzida a um ser que só se mata por amor.

Dizem que as feministas têm o mal de considerar uma exceção como totalidade. Eu não sei se isso é um pecado, pois,  por mais que seja um caso em muitos, ainda existe e ainda não é correto. Sem mencionar que a dimensão dessas exceções pode ser calculada em milhares de mulheres. Afinal, quantas existem no mundo? É muito simples considerar exceção quando não se é uma vítima.

“Mas Tainá, a série fala apenas casos reais. Algumas mulheres realmente sofreram aquilo”. Sim, eu compreendo. Só não consigo compreender como um programa de tal dimensão como o Fantástico prefere optar por essa temática quando seca, fome, guerras, preconceito e o próprio machismo estão aí. São essas atitudes que consideramos como “comuns” ou “acontece com outros” que reforçam alguns ideais que prejudicam muitos. É cantar uma mulher na rua, é achar que roupa ou o número de ficantes julga caráter e é acreditar que mulher não pode ocupar determinada função simplesmente por ser mulher, que dissemina o machismo.

A série não veicula apenas um tipo de estereótipo. Enquanto assistia, me questionava “Será que realmente alguma mulher se apaixona por um cara depois de sofrer assédio de tal tamanho em uma festa?”, “será que então ela decide ‘ser a mulher dele para a vida toda’?”, “será que ela faz tatuagem como o nome dele?”, “será que ela decide que a vida acabou porque ele não a quer mais?”, “será que depois de tudo ela ainda conta os dias para esperar na porta que ele saia da prisão?”, “será que ela prefere se matar a não ficar com ele?”, “será que a mulher dele aceita calada quando descobre que o marido tinha uma amante e volta para casa quando ele grita ‘entra’?”, “será que ela pensa que ‘o que mais doeu não foi a surra e sim pensar que ia ficar sem ele’?”. Bom, pode ser que sim. Como a série mostra, algumas pessoas são capazes de tudo por amo(bsessão)r. Mas não tiro da cabeça a quantidade de mulheres que conheço que agiriam completamente diferente e não tiveram um mínimo de representação em nenhum dos quase 11 minutos de episódio.

Foto: Thercles Silva

Mas o programa acabou e a vida continuou. Tempos depois eu me deparei com uma matéria sobre uma jovem que caminhou pelas ruas de Manhattan com uma câmera escondida por cerca de dez horas e sofreu “cantadas” mais de 100 vezes, sendo em alguns momentos até seguida. Então, eu pensei “Não é um mal brasileiro. Mas até quando nós, mulheres, teremos que engolir a seco uma sociedade assim?”. Se a solução era mudar de país, os planos foram por água abaixo.

O dia seguiu e nada acabou por aí. Homepages passando e encontro uma notícia de que Julien Blanc estava fazendo planos de vir ao Brasil. Ah, como se o país já não fosse machista, sexista, racista, patriarcal, homofóbico e xenofóbico o suficiente, o guru do estupro – que por sinal já foi expulso de países como a Austrália – decide ministrar “workshops” para “ensinar” homens a “pegar mulheres” ou “a forma adequada de segurar o pescoço de uma garota e impulsioná-lo em direção a sua virilha”. O pior é saber que dezenas de homens pagariam US$ 2,5 mil para assistir a essa palestra!

Felizmente, a notícia veio acompanha de uma petição que objetivava impedir o consentimento de visto à esse senhor. Até o momento, o documento já alcançava a marca das 325 mil assinaturas. Me agrada perceber que as nossas vozes não serão caladas.

É, séries apelativas da mídia, assédios, preconceitos, salários menores para cargos iguais, cantadas, fiu fiu, julgamento pela roupa e/ou maquiagem, mulheres que perpetuam e concordam com esses pensamentos… A internet e a vida está, todos os dias, mostrando que não é fácil ser mulher. Quem foi mesmo que disse que somos o sexo frágil?

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Tainá Rodrigues
Pseudo-escritora com um pé em artes cênicas, decidiu se mediar entre dois mundos e cursar jornalismo. Apaixonada por literatura, fotografia e Canadá, quer abraçar o mundo com as pernas e mantém em um caderninho uma lista de sonhos, desejos e objetivos ainda a serem alcançados. Para dar cor a vida, escreve em blogs, fotografa espontaneidade e produz audiovisuais.
Tainá Rodrigues

Tainá Rodrigues

Pseudo-escritora com um pé em artes cênicas, decidiu se mediar entre dois mundos e cursar jornalismo. Apaixonada por literatura, fotografia e Canadá, quer abraçar o mundo com as pernas e mantém em um caderninho uma lista de sonhos, desejos e objetivos ainda a serem alcançados. Para dar cor a vida, escreve em blogs, fotografa espontaneidade e produz audiovisuais.

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