É pouco provável que Evandro Teixeira, do Rio, e Ricardo Kotscho, de Sampa, tenham se cruzado algumas vezes em suas atividades de trabalho. Apesar dos 400 km de distância entre as duas metrópoles, os dois compartilham da mesma ideia: “lugar de repórter é na rua”. Foi dessa maneira que Kotscho, em suas reportagens impressas, revelou grandes histórias, sejam elas do poder ou do povo. O mesmo aconteceu com Evandro Teixeira, por meio das lentes de sua Leica. Atualmente, Evandro é considerado um dos maiores fotojornalistas do Brasil e parte de sua obra da década de 1960 esteve exposta em fevereiro durante a exposição “Tempos de Chumbo, Tempos de Bossa”, no Centro Cultural da Justiça Federal, no Rio de Janeiro.

Segundo Márcia Mello, curadora, a ideia da exposição é contrastar os momentos difíceis da ditadura militar com o auge da criatividade carioca – com o Cinema Novo e a Bossa Nova, por exemplo – e a emancipação da mulher. Nesse sentido, na exposição o espaço destinado a foto da sequência das baionetas é o mesmo destinado à foto da Leila Diniz de biquíni. As fotos de Evandro também podem ser tomadas como o registro do regime ditatorial, com o golpe de 1964, que completa 50 anos em 2014. “O regime foi um período muito fértil para a fotografia brasileira porque os fotógrafos estavam empenhados em mostrar muita coisa do horror da ditadura”, pontua Evandro.

Um dos momentos pitorescos da sua memorável carreira está relacionada a uma de seus registros mais famosas: a foto do estudante sendo agredido a cassetete por um policial. Evandro revelou, durante uma visita guiada no dia 25 de fevereiro, que para obtê-la teve de sair correndo com a Leica armada para a foto do Consulado Americano, na Avenida Presidente Wilson, a Cinelândia, uma distância de quase 0,5 km.

A trajetória profissional de Evandro também contou com momentos de opressão. Chegou a ir para a cadeia acusado de “desrespeito à autoridade” (e não por “ser considerado de subversivo ou comunista”, como bem destaca) por ter sido o autor de uma foto que ia de encontro aos interesses da ditadura. Mesmo estando atrás das grades uma vez, Evandro considera que a única ocorrência de algum ferimento na sua carreira foi durante a visita da Rainha Elizabeth II, quando conseguiu captá-la sentando num carro após visita ao recém inaugurado MASP, em 1968. A fotografia exibe um movimento ordinário de uma Rainha que era observada apenas a partir da pompa dos trajes e dos movimentos regrados que a vida da Corte exige. Entretanto, ele pagou o preço: levou um “chega pra lá” do segurança e fraturou o cotovelo do fotógrafo por ter ousado colocar o braço dentro do carro da majestade para bater a foto.

As fotografias de Evandro relacionadas ao regime militar não lembram apenas momentos tenebrosos da nossa recente história. Pelo menos não para um casal de arquitetos que, alguns anos depois que a democracia foi devolvida ao povo, conseguiu se identificar no mar de gente que compõe a histórica foto da Passeata dos 100 Mil no Rio de Janeiro (abaixo), em junho de 1968. Isso só foi possível devido à técnica formidável de Evandro, que conseguiu captar – com riqueza de detalhes – cada rosto como se fossem retratos individuais. E não é que as fotos de Evandro não renderam até casamento? Acredito, no entanto, que este exemplificado não tenha sido o único.

Trabalhando para diversas editorias no Jornal do Brasil – entre elas esporte, polícia, cidades e moda – cobriu grandes acontecimentos no mundo todo. O fotojornalista destaca o golpe militar chileno, em 1973, ressaltando que foi o único fotógrafo a conseguir acessar os “camarotes” do Estádio Nacional do Chile, para onde eram mandados os prisioneiros do governo de Pinochet. Uma quebra de paradigma, no entanto, aconteceu durante a cobertura das Olimpíadas de Sydney, em 2000, evento no qual sua câmera analógica teve de dar espaço para as digitais. “Mas ainda tenho minha Leica”, afirmou veementemente. “Em Canudos [onde fez um ensaio alusivo aos 100 anos da Guerra que tornaria a cidade famosa], fotografei com as duas”.

Ao final da visita, Evandro Teixeira concedeu uma entrevista exclusiva ao blog:
O CHAPLIN: Diante de tantas fotos ao longo de 56 anos de carreira, qual é a sua preferida?
Evandro Teixeira: A foto de um casamento em Paraty [município do sul fluminense], em 1969. Tenho paixão especial por essa fotografia pela sua originalidade e pelo caráter rústico de seus personagens. Ela não diz nada, é apenas o registro da simplicidade de um casamento bem “matuto”.

O CHAPLIN: Como foi trabalhar no JB num dos períodos mais férteis desse jornal?
Evandro Teixeira: Um período de muito aprendizado e que muito me orgulha. No Jornal do Brasil, convivi com grandes personalidades do cenário artístico brasileiro, como o [Fernando] Gabeira, Nelson Pereira dos Santos, Clarice Lispector, Carlos Drummond de Andrade e Marina Colasanti.
O CHAPLIN: Por que se interessou em fotografar a cidade de Canudos na década de 1990?
Evandro Teixeira: Além da marca dos 100 anos da Guerra de Canudos, tenho raízes naquele lugar. Meus avós viveram naquela região e, por isso, o livro “Os Sertões” me impacta até hoje, mas isso aconteceu de uma maneira muito mais forte durante a infância. Sempre estou retornando àquela localidade, pois ainda há sofrimento e a solidão do povo que vive num cenário importante da história nacional.

O CHAPLIN: Quais são os próximos projetos?
Evandro Teixeira: Pretendo publicar um livro resguardando boa parte de minha trajetória profissional, incluindo registros muito recentes das manifestações de rua em 2013.
Sagitariano carioca que mora em Natal. Jornalista formado pela UFRJ e UFRN. Apaixonado por cinema, praia e viagens.