Durante alguns meses, os cinemas de Natal propagaram (através de cartazes, muitas vezes enganosos) a estreia do drama de suspense meio policial “Terapia de Risco”, com direção e elenco que, no mínimo, capta a atenção a uma primeira vista. A primeira é assinada por Steven Soderbergh, cujos títulos mais recentes incluem “Behind The Candelabra” (para TV, 2013), “Magic Mike” (2012), e “Contágio” (2011), tendo ainda em seu currículo “Erin Brockovich” (2000) e “Onze Homens e Um Segredo” (2001). Portanto, “Terapia de Risco” veio de uma fonte, podemos dizer, confiável. Já os nomes envolvidos podem despertar dúvidas, mas por serem conhecidos, incitam no mínimo curiosidade: a inconstante Catherine Zeta-Jones, o badalado Channing Tatum, o experiente Jude Law, e a ainda-em-fase-de-experimentos Rooney Mara.
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Rooney Mara é a protagonista do filme, tendo substituído Blake Lively no papel de Emily Hawkins |
Eis que a estreia finalmente chegou na capital potiguar. E já passou. Durante a semana passada, o Cinemark (Midway Mall) exibiu o filme na temida Sessão Cult, que consiste em duas exibições por semana, muitas vezes em horários pouco apropriados para o trabalhador ou estudante. Vá lá que “Terapia de Risco” seja um filme denso, com mais elipses e viradas que o comum. Vá lá que exija do espectador um pouco mais de atenção e repertório acerca de algumas temáticas para que consiga compreender o roteiro direito. Mas essas não são razões suficientes para segregá-lo a frustrante e pouco acessível Sessão Cult. “Terapia de Risco” é um filme que pode agradar desde o espectador médio até o mais exigente.
Vamos ao enredo. Emily Hawkins (Rooney Mara) havia acabado de casar quando vê o marido, Martin Taylor (Channing Tatum) ser preso por um crime de colarinho branco. Depois de algum tempo, Taylor é liberado da prisão. Mesmo aparentemente aliviada, Emily começa a ter crises de depressão e procura a ajuda de tratamento e medicamentos prescritos para conter os problemas emocionais e psicológicos. No percurso, ela lida com os profissionais Dr. Jonathan Banks e Dra. Victoria Siebert (Jude Law e Catherine Zeta-Jones). O tratamento inicia positivamente e Emily começa a apontar melhoras, até que um acontecimento muda o rumo da história, provocando consequências inesperadas.
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Jude Law (Dr. Banks) e Catherine Zeta-Jones (Dra. Siebert) |
Confesso que o enredo não me pareceu tão interessante a um primeiro olhar e acabei indo conferir o filme muito mais por instinto que pela história em si. Não me desapontei. No momento em que o primeiro ponto de virada acontece, o filme se torna mais que um drama sobre uma doente mental, mas um caso policial, um suspense que envolve o espectador e nos faz começar a procurar desesperadamente pelos motivos, razões e verdadeiros culpados. Contudo, os joguetes do roteiro de Scott Z. Burns podem deixar quem assiste confuso em algum momento, ou até perdido se ameaçar cochilar em alguns minutos da trama.
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Rooney Mara e Catherine Zeta-Jones em uma das cenas finais do filme |
As interpretações não têm nada de espetacular. Todas funcionam, mas nenhum dos quatro nomes se destacam. Rooney Mara parece fazer um esforço enorme para conseguir fazer jus à sua personagem. No fim das contas, seu desempenho não é ruim e não compromete a trama, mas poderia, certamente, ter sido melhor, nas mãos de uma atriz mais experiente (ou mais talentosa). Jude Law, que também tem mais visibilidade na trama, se mostra o que sempre é: um profissional competente, mas sem talentos ímpares. Catherine Zeta-Jones e Channing Tatum têm participações menores e, portanto, é até compreensível a ausência de grandes momentos. No frigir dos ovos, o quadro de atores desempenha o suficiente para não causar danos ao restante da produção, que está impecável.
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Cartaz do filme |
A trilha sonora é um espetáculo de coerência com a trama. Assinada por Thomas Newman, aparece quando necessário e, mesmo discreta, cai como uma luva e corrobora para todos os efeitos que a cena pretende causar no espectador. Outros dois elementos técnicos que se encaixam perfeitamente e possuem importância fundamental para o filme são a fotografia e a direção de arte. É bem verdade que há um excesso de cinza no filme, mas para um drama dessa categoria, estranho seria se houvesse uma grande distribuição de cores.
Olhando para a produção a partir de uma visão menos técnica e mais social, também podemos visualizar uma crítica ao sistema de psiquiatria médica e suas relações com a indústria farmacêutica. O filme mostra a corrupção e sujeira existentes por trás desse comércio custeado por pacientes leigos e fragilizados que acreditam que seus psiquiatras almejam apenas sua recuperação, e que confiam piamente no fato de que uma droga é capaz de curá-los.
“Terapia de Risco” não é uma obra-prima, considerando todos os argumentos artísticos e filosóficos que se costumam exigir para o uso desse termo, mas é um filme excelente, produto de um cinema de alto nível. Uma dessas produções que prendem o espectador porque tudo trabalha junto para um resultado impecável. Dizem por aí que este é o último filme para os cinemas de Soderbergh. Se for, de fato, podemos dizer que o diretor despediu-se em grande forma, provando que não perdeu a mão no que sabe fazer de melhor.

Jornalista, cinéfila incurável e escritora em formação. Típica escorpiana. Cearense natural e potiguar adotada. Apaixonada por cinema, literatura, música, arte e pessoas. Especialista em Cinema e mestranda em Estudos da Mídia (PPgEM/UFRN). É diretora deste site.