Thor: Ragnarok – Mais Estranho, Mais Divertido, Mais do Mesmo.

Não passou despercebido entre os fãs da Marvel o pequeno curta Team Thor (partes 1 e 2), contando as, ahn, peripécias de Thor (Chris Hemsworth) durante os eventos de Capitão América: Guerra Civil. No fim das contas, enquanto Capitão América e Homem de Ferro formavam times e destruíam o aeroporto Leipzig/Halle, Thor preferiu ficar de fora e relaxar um pouco na Austrália com seu colega de quarto Darryl, investigando as pistas sobre as Jóias do Infinito.

O curta foi escrito e dirigido pelo neozelandês Taika Watiti, o mesmo das celebradas comédias cult (e estranhas) A Incrível Aventura de Rick Baker (2016) e O Que Fazemos nas Sombras (2014), durante as filmagens do recém lançado Thor: Ragnarok (2017).  Assim, não é surpresa alguma que o último lançamento da Marvel carregue algumas marcas da originalidade e estranheza de seu diretor, com momentos de brilhantismo visual e cômico, embora, tristemente, mantenha ainda um pé firme no mesmo tom dos demais filmes da franquia.

Cavalgada das Valquírias: Wagner pira. (Nota: o nível intelectual desta piada surpassa em muito o nível do autor)

Aparentemente, além de curtir as praias, incomodar Darryl com aluguel e aproveitar os incentivos fiscais para filmar na Austrália, Thor também aproveitou os últimos anos para varrer a galáxia em busca das Jóias do Infinito ainda desaparecidas, sem sucesso. Ao retornar para Asgard, encontra seu irmão Loki (Tom Hiddleston) governando em bonança e mantendo seu pai em exílio – Odin (Anthony Hopkins) encontra-se na Noruega, em seus últimos momentos de vida.

Este é o início do crepúsculo dos deuses (há!) na mitologia nórdica, ou o Ragnarök, uma batalha épica e uma sequência de tragédias que levarão à destruição do mundo como o conhecemos. E é mais ou menos isso que irá acontecer aqui: a morte de Odin é o prenúncio do retorno de Hela (Cate Blanchett), deusa da morte e irmã mais velha de Thor. Extremamente mais poderosa que Thor e Loki, Hela destrói facilmente Mjolnir (o martelo de Thor, a princípio indestrutível) e segue para Asgard para ocupar o trono e eliminar qualquer oposição. Enquanto Thor e Loki, bem…

Thor e Loki se aventuram na parte estranha do filme, no melhor sentido da palavra. Em um planeta onde coisas desaparecidas aparecem (imagino um continente de guarda-chuvas e tampas de canetas Bic em algum lugar), Thor é imediatamente capturado por uma Valquíria (Tessa Thompson) em exílio e vendido para o torneio de gladiadores do Grão-Mestre do planeta (Jeff Goldblum), onde em sua primeira luta ele enfrentará… o Incrível Hulk. (Nota: se está no trailer, não é spoiler).

Fazendo uma salada entre cultura nórdica e HQs (mais notoriamente Planeta Hulk), Thor: Ragnarok desde sua primeira cena não esconde sua alma de comédia de aventura, distanciando-se consideravelmente do antigo tom dos outros filmes centrados no personagem. Se o primeiro Thor extraía algum humor do tipo “peixe fora d’água”, enquanto mantinha uma trama shakesperiana de traição em família, exílio e busca pelo poder e o segundo filme ninguém lembra, o novo filme explora a veia cômica de Chris Hemsworth ao máximo, com ritmo que lembra muito as comédias de aventura dos anos 1980 à la Aventureiros do Bairro Proibido (1986).

Os irmãos Odinson, Valquíria e o Grandão: elenco digno de filme para ganhar o Oscar. Mas não esse filme.

Desta forma, o filme não tem medo de explorar toda a esquisitice potencial de um planeta em que coisas e seres de outras dimensões se perdem. Revolucionários fracassados, bestas radioativas, valquírias exiladas e deuses nórdicos se misturam em uma trama inconsequente no melhor estilo “vilão da semana”, mas que se destaca no universo Marvel por apostar em um humor original e estranho.  Esse aspecto da trama é também muito bem combinado com um visual que não fica para trás da inventividade e psicodelia já demonstrada em Doutor Estranho (que aliás faz uma ponta aqui), explorando cores, transições e planos de sequência belíssimos. Mas é uma pena que algumas das imagens mais interessantes e que mais chamam atenção no trailer não ganhem mais do que segundos na tela.

E assim…

O universo Marvel está há algum tempo em um momento de retornos decrescentes. Sim, sim, cada filme faz mais dinheiro do que anterior e é inegável o esforço e a qualidade em todos os filmes. Mas mesmo que os últimos lançamentos apostem em estilos particulares (claramente há diferença no estilo de Homem-Aranha e de Doutor Estranho, por exemplo), cada filme da Marvel ainda deixa o mesmo gosto de aromatizante artificial no fundo da boca. O mesmo tom, o mesmo cuidado para evitar temas polêmicos e profundamente inconsequente. Por trás de toda a estranheza e humor, e mesmo algumas piadas mais adultas, o grande tema de Ragnarok ainda é sobre superar seus próprios limites e trabalhar em equipe and that’s just…. ugh. Básico e insuficiente.

Cate Blanchett: divando e engolindo o cenário.

Há talento de sobra no elenco e na direção para fazer mais e, mesmo que seja possível enxergar grandes momentos – e eu realmente acredito que Ragnarok se destaca no universo Marvel –, ainda é decepcionante ver o sacrifício que se faz em nome da franquia. Não há ousadia além do que é permitido por executivos do estúdio e é cada vez mais claro que a Marvel jamais irá lançar um filme com a mesma ambição e complexidade que Logan e O Cavaleiro das Trevas, ou mesmo com a liberdade e o nonsense de Deadpool.

E talvez a Disney esteja certa, imprimindo dinheiro e tendo em média 300% de retorno no investimento em cada filme da Marvel, reduzindo riscos e incertezas em sacrifício de liberdade criativa aos diretores. No fim das contas, o espectador não carrega muito do filme consigo para fora do cinema e isso pesa ao longo do tempo. Particularmente, não tenho ânimo e ansiedade por novos filmes da Marvel, pois já sei como será minha experiência. Há méritos na uniformidade do “produto”, claro. Assim como há méritos para a Elma Chips produzir pacotes de Ruffles. Ótimo para os lucros, mas profundamente inconsequente e sem qualquer valor nutritivo para o cérebro.

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Diego Paes
Formado em Relações Internacionais, Mestre e talvez Doutor (me dê alguns meses) em Administração, mas que tem certeza de que está na área errada. Pode ser encontrado com facilidade em seu habitat natural: salas de cinema. Já viu três filmes no cinema no mesmo dia mais de uma vez e tem todas as fichas do IMDb na cabeça. Ainda está na metade da lista dos Kurosawa e vai tentar te convencer que Kieslowski é o melhor diretor de todos os tempos.
Diego Paes

Diego Paes

Formado em Relações Internacionais, Mestre e talvez Doutor (me dê alguns meses) em Administração, mas que tem certeza de que está na área errada. Pode ser encontrado com facilidade em seu habitat natural: salas de cinema. Já viu três filmes no cinema no mesmo dia mais de uma vez e tem todas as fichas do IMDb na cabeça. Ainda está na metade da lista dos Kurosawa e vai tentar te convencer que Kieslowski é o melhor diretor de todos os tempos.

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