Quando me falaram que a vida prendia a gente, eu nem acreditava. Pensava “é invento, desculpa de quem não quer enfrentar”. Quando chego à minha adolescência, algo muda, ou melhor, pessoas me mudam. Elas me apresentam a um mundo que eu parcialmente conhecia, que me fazia ficar confortável mesmo sem compreender tudo o que me oferecia. Um mundo de superfície seca, caminhos de letras negras e um céu de capa dura. Nesse meio tempo, com os pés fincados no chão, eu não entendia quando me falavam que a vida prendia a gente e que poucas coisas abriam essa gaiola.
Pouco a pouco fui vendo algo crescer nas minhas costas, como pequenas penas saindo na pele, rompendo a ignorância, o medo e a humanidade. Eu virava passarinho sem saber – e como era bom se sentir assim. Dentre todos os gêneros que eu fui convidado a mergulhar, a poesia de fato se mostrou a mais profunda, a mais perigosa, onda na quebradeira da praia. E dentre muitos poetas e poetisas, talvez Manoel de Barros tenha sido um dos meus maiores reflexos. Eu via simplicidade, inteligência e um chão inteiro de coisas pequenas pelas quais seus pés e sua mente se interessavam. Nesse momento aprendi a não desejar tanto o céu, mas a olhar pra baixo e perceber a beleza no tangível, do grotesco, do cotidiano das minhas pegadas no quintal de casa.
Mas sem saber, ele já tinha girado a chave do cadeado da minha vida e mostrado todo o anil que o céu pode ser. Ele também já tinha me empurrado para um mar muito mais profundo, no cerne que o poema encarnado se torna. Ele já tinha caminhado comigo por longas planícies e planaltos sem sair da zona do meu jardim, pisado em lama e em poeira de pés descalços. Hoje lhe devolvo as asas que você me deu aos 13 anos, Manoel. E que você suba sem nunca olhar pra trás, para que não veja quão fracos e pequenos somos sem tuas miudezas.
Estudante de jornalismo, com um tombo por cinema e literatura. Curte um festival de música assim como um bom gole de café. Enquanto não acha seu meu rumo, continua achando que é a pedra no meio do caminho.