Em 1987, no auge da reinvenção dos quadrinhos, quando a nona arte lutava para se desprender do título de “entretenimento infantil” e se firmar enquanto “arte de gente grande”, surge, de um encontro inesperado, Violent Cases, roteirizada pelo escritor Neil Gaiman (Sandman) e pelo desenhista Dave McKean, que posteriormente viria a trabalhar em várias outras oportunidades com o consagrado Gaiman, ilustrando, por exemplo, a capa de Sandman e o livro Coraline.
Vinte e sete anos após o surgimento da graphic novel nos Estados Unidos (lançada pela primeira vez pela Escape Books), sem muita pretensões, mas com bastante potencial, a Editora Aleph lança uma linda edição para o público brasileiro. A impressão de “Violent Cases” da Aleph foi traduzida por Érico Assis, e a capa, digna da editora e do livro que ela apresenta, é assinada pelo designer Pedro Inoue, diretor de arte da revista AdBuster. Como é de praxe na editora, a estética é um ponto forte nas suas obras e em Violent Cases torna-se um deleite.
Ao submergir nos “casos violentos” da graphic novel, não sabemos muito bem se estamos numa espécie de auto-biografia não declarada de Gaiman, de um sessão de terapia, de um sonho, ou de um devaneio da cabeça do escritor, corroborado pelos desenhos soturnos e intrigantes de McKean. “Violent Cases” nos coloca na posição de um homem que rememora o seu passado, ou o que consegue recordar-se dele. O leitor há de se identificar em alguns momentos, e ainda de estranhar outros. Ou, talvez, conseguirá unir as duas sensações numa mensa página: a simpatia e a estranheza.
Para aqueles que não têm intimidade com a leitura das novelas gráficas, é bem verdade que Violent Cases possa parecer um pouco confuso. O roteiro não é linear, é necessário atenção para não se perder no fio condutor que permeia as páginas conduzindo o leitor pelos fragmentos de história que se constituem. Os desenhos de Dave McKean, embora dignos de admiração, são coerentes com a narrativa densa de Gaiman, e não facilitam a leitura, por seu caráter sombrio e um pouco difuso.
Violent Cases é um desses livros que vale a pena ter. Não só é uma obra importante na história da nona arte, e berço de uma das parcerias mais frutíferas dos quadrinhos, como é passível de novas interpretações e memórias a cada leitura. Sob a batuta da Editora Aleph, resultou em uma obra irretocável. Inclusive, enquanto escrevo esse último parágrafo, procuro também um lugar de destaque na minha estante de livros para guardá-lo – é onde acredito que ele mereça estar.
Jornalista, cinéfila incurável e escritora em formação. Típica escorpiana. Cearense natural e potiguar adotada. Apaixonada por cinema, literatura, música, arte e pessoas. Especialista em Cinema e mestranda em Estudos da Mídia (PPgEM/UFRN). É diretora deste site.