007 Contra Spectre divide público ao olhar pro futuro sem esquecer o passado

Há 10 anos, Daniel Craig (Munique, 2005) era escolhido para ser o novo James Bond. Além de ser o rosto de uma das franquias mais duradouras e lucrativas do cinema, sua missão seria modernizar o agente com licença para matar. Loiro, truculento, sisudo, perito em combate corporal e bem mais “sujo” que seus antecessores, o inglês apresentou nova roupagem no excelente 007 – Cassino Royale (2006). Porém, a atual proposta é questionada com o 24º filme baseado na personagem de Ian Fleming.

Em 007 Contra Spectre (2015), Bond é afastado de suas atividades após causar tumulto na Cidade do México, numa missão pessoal. Sem autorização do MI6, a atitude foi mal vista pelo Governo que tenta extinguir a seção liderada por M (Ralph Fiennes de O Grande Hotel Budapeste, 2014). Isolado e sem apoio, 007 continua sua investigação até se deparar com uma imponente organização criminosa, o que o leva numa viagem ao passado.

Plano-sequência abre a melhor cena de ação de Spectre
Plano-sequência abre a melhor cena de ação de Spectre

O estrondoso sucesso de 007 – Operação Skyfall (2012), também dirigido por Sam Mendes (Beleza Americana, 1999), parece ter acostumado mal o espectador. Tornou-se rapidamente referência de uma franquia consolidada por oferecer bons filmes de ação e não mais que isso. Tomá-lo por base é perigoso, é como comparar qualquer peça do universo Marvel com Batman – O Cavaleiro das Trevas (2008) sem analisar as propostas.

De fato, algumas das reclamações são pertinentes. A música Writing’s On The Wall, tema sob a responsabilidade de Sam Smith, não agradou como o esperado. Mesmo não sendo ruim, ela não combina com o que vemos em tela, principalmente após a abertura de tirar o fôlego. É como se ela cantasse uma intensidade dramática que jamais chega.

O roteiro de Jez Butterworth (No Limite do Amanhã, 2014) e do trio John Logan, Neal Purvis e Robert Wade (007 – Operação Skyfall) é inflado. A trama central, abordando o poder através do controle de informação, é pouco desenvolvida em detrimento de subtramas por vezes desnecessárias. Todo o embate de M e C (Andrew Scott da série Sherlock) não passa de uma mera distração para a plateia e deveria ser cortado para diminuir a duração. Outro tropeço está numa forçadíssima ligação entre o herói e o vilão que surge como um plot twist.

Se por um lado, o roteiro falha em alguns pontos, por outro, ele joga para os fãs. O resgate da organização criminosa, liderada aqui por Christoph Waltz (Django Livre, 2012) é um presente aos fãs. Homenagens a episódios anteriores surgem na projeção, como a luta no trem, remetendo a Moscou Contra 007 (1963), e o terno branco de 007 Contra Goldfinger (1964). O texto consegue compreender as referências para os fãs mais longínquos sem comprometer o entendimento da plateia mais recente, algo que é feito desde o comemorativo, e pavoroso, 007 – Um novo dia para morrer (2002).

Terno de Sean Connery em 007 Contra Goldfinger é reeditado.
Terno de Sean Connery em 007 Contra Goldfinger é reeditado.

É possível identificar Spectre como o mais deslocado da era Craig por não dialogar com os 3 filmes anteriores. Qualquer espectador mais atento aos outros episódios facilmente identificará os estilos das películas de Sean Connery e Roger Moore. Lampejos das outras personalidades surgem em tela. Entendo a escolha como afirmação visual do protagonista.

O trabalho iniciado em Cassino Royale sugere um recomeço para a série com o herói ainda buscando espaço como agente. A evolução na postura e a segurança evoluíram, chegando à experiência profissional nesse novo capítulo. Talvez esse seja o motivo para a nova produção se assemelhar tanto às obras do passado. O amadurecimento de Bond foi mostrado através do resgate de elementos clássicos.

O quesito técnico é impecável. Mesmo não sendo um diretor de ação, Mendes projeta com eficiência. Já no início somos apresentados a uma sequência de tirar o fôlego, além de trazer um belíssimo plano-sequência. A fotografia de Hoyte Van Hoytema (Interestelar, 2014) faz da paleta de cores sua arma e acerta ao brincar com a exposição das câmeras. Destaque para todo o mistério em torno da aparição do vilão Franz Oberhauser. Van Hoytema também consegue evidenciar as belezas das locações durante as cenas de ação, como na perseguição de carros em Roma.

O elenco questionado cumpre o esperado. Monica Bellucci (Baarìa – A Porta do Vento, 2009) é apenas uma participação de luxo. Waltz traz a megalomania característica da série, embora não consiga se impor em nenhum momento. Dave Bautista (Guardiões da Galáxia, 2014) é Mr. Hinx, capanga ao melhor estilo Oddjob e Jaws. Ralph Fiennes, Naomie Harris e Ben Whishaw estão sempre ótimos como M, Moneypenny e Q, respectivamente. Léa Seydoux (Azul é a Cor Mais Quente, 2013) chama atenção pela beleza, o que já é esperado de uma Bond Girl.  Quem de fato se destaca é Daniel Craig, mais confortável no papel e até menos truculento.

A bela Léa Seydoux se mantem discreta, mas não compromete
A bela Léa Seydoux se mantem discreta, mas não compromete

007 Contra Spectre é um autêntico exemplar da franquia. Mesmo sendo o mais deslocado da atual fase, encontra eco nos demais produtos do passado. A produtora Barbara Broccoli administra seu legado sem deixar muitas brechas para ousadia, mais preocupada em manter os fãs do que em atrair novos. De qualquer forma, o que é entregue é mais do mesmo visto nos últimos 50 anos. Não se deve esperar demais de uma série que nunca foi além de um bom entretenimento. Um filme de ação que cumpre o que se propôs.

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João Victor Wanderley
Radialista por formação e jornalista em formação. Minha paixão pelo cinema me trouxe ao Chaplin; minha loucura, ao Movietrolla. Qualquer coisa, a culpa é d’O Chaplin… E “A Origem” é o maior filme de todos!
João Victor Wanderley

João Victor Wanderley

Radialista por formação e jornalista em formação. Minha paixão pelo cinema me trouxe ao Chaplin; minha loucura, ao Movietrolla. Qualquer coisa, a culpa é d'O Chaplin... E "A Origem" é o maior filme de todos!

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