1984 - 1Lançado em 1948, “1984” é, sem sombra de dúvidas, um dos maiores clássicos da literatura mundial. E mesmo após 64 anos desde sua primeira publicação, a famigerada obra de George Orwell continua sendo um retrato da sociedade moderna. No romance, Orwell imagina uma realidade futura – que se passa no ano de 1984 – onde prevalecesse um governo totalitário e opressor, além de haver uma constante e infindável guerra entre as três divisões do mundo (Oceania, Eurásia e Lestásia).

Estamos no ano de 2016, mais de três décadas depois o ano em que se passa a obra. Devido a isso, muitos acreditam que George Orwell errou em suas previsões, tornando assim, “1984” uma mera ficção. Mas, será mesmo que o futuro narrado no romance não é possível? Ou melhor, será que ele não está acontecendo no nosso presente?

Na trama, o grande líder do Partido – ou, como é sugerido por um dos personagens: a própria personificação do Partido – é o Grande Irmão (no original, Big Brother). Todos os cidadãos devem, não somente fidelidade e obediência a ele, mas também amor. Afinal, ele é o grande salvador, que aparentemente, tornou a vida de todos bem melhor. É difícil não fazer uma associação com o reality show internacionalmente conhecido: Big Brother (aqui no Brasil, chamado de “Big Brother Brasil”, o programa teve impressionantes 15 edições). Na verdade, o nome do programa foi tirado do romance de Orwell, já que o objetivo do reality seria vigiar pessoas o tempo todo.

Em “1984”, a vigilância se dá em grande parte através das chamadas teletelas. Basicamente, as teletelas são como televisores normais, a única diferença é que elas são capazes de filmar tudo o que acontece diante de suas telas, e também de captar o som ao redor de si próprias. Outro detalhe que vale ser lembrado, é que as teletelas não podem ser desligadas e que elas transmitem somente a programação do partido.

Em nosso cotidiano, também usamos aparelhos que são capazes de nos vigiar o tempo todo: os computadores, celulares, tablets etc. Na internet, você fornece localização, número de celular, interesses e diversos outros dados importantes. Você, em legítima defesa, deve estar pensando “Bem, é verdade, mas isso não implica que eu esteja sendo vigiado”. Pois saiba que: “O governo espiona todos os cidadãos. E ele também tem um grande medo de que as pessoas saibam que ele espiona. Por isso usa tudo que pode para que essa informação não vaze. Até mesmo intimidações diplomáticas são usadas para impedir que esses dados acabem vazando para o mundo.” – palavras de Edward Snowden.

“O Grande Irmão está te vigiando”

“Em nossa sociedade aqueles que estão mais informados sobre o que ocorre são também os que mais longe estão de ver o mundo como ele é. Em geral, quando maior a sua compreensão, maior o engodo; quanto maior a inteligência, menor a saúde mental.” – Trecho do livro.

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No livro, o idioma utilizado pelos personagens é a “Novilíngua” (Ou como sugere algumas traduções, “Novafala”), e um dos personagens dos personagens, Syme – que trabalha na produção da 11ª edição do idioma – diz em um diálogo: “Tenho a impressão de que imaginas que o nosso trabalho consiste principalmente em inventar novas palavras. Nada disso! Estamos destruindo palavras – às dezenas, às centenas, todos os dias. Estamos reduzindo a língua à expressão mais simples”. O objetivo dessa redução do idioma seria a de chegar a um ponto onde seria impossível que algum cidadão cometesse o crimepensar (ou crimideia) – que seria o simples ato de ter pensamentos ilegais – uma vez que, ele não poderia/saberia expressar as suas ideias através de palavras.

Você costuma usar abreviações em seu dia a dia? Mesmo que não use, inevitavelmente, você acaba utilizando palavras que foram condensadas com o passar dos anos. Um exemplo clássico disso é o “Você”: Vossa Mercê >> Vassuncê >> Vosmecê >> Vomincê >> Sucê >> Você >> Ocê >> Cê >> Vc. Temos essa tendência de reduzir palavras em troca de comunicação prática, e mesmo que seja bastante improvável que cheguemos a um ponto em que não consigamos mais expressar pensamentos, nossa linguagem atual mostra que Orwell estava tecnicamente certo.

A sociedade de “1984” é dividida em três classes: os membros do núcleo do Partido; os membros do partido; e os proletas. Os membros do núcleo do Partido, que funcionam como uma espécie de Partido Interno, podem ser considerados como sendo a classe alta. Os outros membros, que funcionam como Partido externo, ou trabalhadores do Partido, são a classe média – ainda assim, seus membros vivem em condições precárias. Os proletas, ou proletariado, representam o que seria a classe baixa. Se você tem a curiosidade de saber em qual classe você estaria caso vivesse na realidade do livro, eis aqui um breve trecho da obra:

Havia uma série de departamentos dedicados especificamente à literatura, à música, ao teatro e ao entretenimento proletário em geral. Ali eram produzidos jornais populares contendo apenas e tão somente esportes, crimes e astrologia, romances sem a menor qualidade, curtos e sensacionalistas, filmes com cenas e mais cenas de sexo, e canções sentimentais compostas de forma totalmente mecânica por uma modalidade especial de caleidoscópio conhecida como versificador.”

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O protagonista do romance é Winston Smith, um homem comum que trabalha no Ministério da Verdade, mais especificamente no Departamento de Registros. Sua função é modificar o passado de forma que previsões/promessas do Partido sejam verídicas, informações sejam alteradas e, em alguns casos, pessoas simplesmente deixem de existir – no caso, elas passam a ser despessoas (ou impessoas) – ou fazerem algumas existirem. O próprio Winston chega a pensar: “Não deixava de ser curioso, pensou Winston, que fosse possível criar homens mortos, mas não homens vivos”.

Atualmente, é bem mais difícil de concretizar isso, uma vez que existem infinitas fontes de informação, e não somente uma, como acontece na obra. Porém, mesmo assim, alguns veículos de comunicação manipulam suas notícias, chegando até mesmo ao ponto de alterar informações para fins próprios. Em tempos sombrios de nosso passado, quando prevalecia um regime ditatorial no nosso país, era bastante comum que pessoas sumissem e simplesmente deixassem de existir. As notícias eram modificadas sempre, para se ocultar a verdade ou inventar mentiras.

Em outro trecho do livro, temos o seguinte pensamento: “O passado, refletiu ele, não fora simplesmente alterado; na verdade fora destruído. Pois como fazer para verificar o mais óbvio dos fatos, quando o único registro de sua veracidade estava em sua memória?”. Informação é poder, e ao perceberem isso, os governos totalitaristas buscaram (e buscam) enfraquecer essa força que pertence ao povo.

Você deve estar se perguntando: Como é que um governo tão opressor consegue se manter no poder dessa forma? A resposta é simples: com mentiras. O tempo todo, o Partido divulga dados – que quase sempre são exagerados – de melhoras nas condições e na qualidade de vida.

É comum que em períodos eleitorais, nos debates, propagandas e comícios (principalmente os de políticos que buscam uma reeleição), os candidatos falem sobre as melhorias, progressos e avanços que foram alcançados em seu mandato. Muitas vezes os dados apresentados são sensacionalistas e exagerados, ou – como na obra de Orwell – são puramente inventados.

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A alienação das pessoas se dá também através das aparentes vitórias do Partido em uma guerra mundial. As razões dessa guerra são desconhecidas pelas pessoas, mas isso acaba não importando para elas, pois o simples fato do Partido triunfar já é suficiente para garantir sua satisfação.

Guerras e conflitos com justificativas duvidosas e sem nexo não são coisas da ficção, um bom exemplo disso é a famosa “Guerra ao Terror”, que teve início após os atentados do 11 de Setembro. A guerra ao terror foi muitas vezes usada como pretexto para que as forças norte-americanas invadissem e atacassem diversos países do Oriente Médio. Enquanto isso, a população mundial ficava satisfeita por saber que grupos terroristas estavam sendo combatidos.

George Orwell foi um escritor a frente de seu tempo, que possuía uma genialidade inigualável e uma incrível capacidade de tratar temáticas políticas e sociológicas em suas obras. Em seu livro “1984”, ele faz uma poderosa crítica ao fascismo, censura e opressão. A obra influenciou diversos outros autores, inclusive foi a principal influência de Alan Moore para escrever “V de Vingança”. “1984” é uma obra indispensável para os fãs das distopias e para qualquer leitor que aprecie um bom livro.

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Myqueas Bruce Wyllys
Myqueas Bruce Wyllys (e isso dispensa apelidos) gosta de cinema, música e literatura. Um bardo com o coração divido entre Hitchcock, Kubrick e Chaplin, que tem um otimismo um tanto pessimista, causado por leitura excessiva de Charles Dickens e possui interesse por tudo e por todos. Nas horas vagas, gosta de ver filmes, convencer amigos a verem filmes e debater filmes.
Myqueas Bruce Wyllys

Myqueas Bruce Wyllys

Myqueas Bruce Wyllys (e isso dispensa apelidos) gosta de cinema, música e literatura. Um bardo com o coração divido entre Hitchcock, Kubrick e Chaplin, que tem um otimismo um tanto pessimista, causado por leitura excessiva de Charles Dickens e possui interesse por tudo e por todos. Nas horas vagas, gosta de ver filmes, convencer amigos a verem filmes e debater filmes.

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