Fazendo muito esforço, para nós brasileiros, duas coisas lembram o Paraguai: a “Guerra do Paraguai” (1864-1870) e a usina de Itaipu – que é binacional e pertence ao Brasil e ao nosso vizinho. Contudo, a associação imediata ao adjetivo “paraguaio” é o estereótipo da falsificação. É impressionante como nosso conhecimento sobre os vizinhos é bastante limitado, sendo resumido a uma (quando há) palavra ou expressão. Parte dessa ignorância deve-se ao fato de nós não cedermos salas de exibição à cinematografia desses países. Essa regra é válida, por exemplo, no caso da Argentina, com vários filmes indicados e dois vencedores do Oscar de Filme Estrangeiro. Mas não é apropriado aplicar a regra no caso do Paraguai, que produziu apenas 25 longas de ficção em toda sua história. Essa informação foi revelada por Juan Carlos Maneglia, diretor de “7 Caixas”, durante sessão comentada no Cine Joia, em Copacabana, realizada no feriado de 1 de maio.
“7 Caixas” estreou no circuito alternativo do eixo Rio – São Paulo logo após o feriadão da Páscoa e até agora se mantém nessas salas de cinema. A história de “7 Caixas” gira em torno de Victor (Celso Franco), um pobre rapaz que faz bicos como carregador de mercadorias no Mercado 4, o maior centro comercial popular de Assunção, capital do Paraguai. Apaixonado pelos filmes americanos que vê na loja de DVDs, seu sonho é aparecer na TV. A distância até o objetivo é encurtada quando uma proposta inusitada aparece: carregar pelo mercado 7 caixas com conteúdo desconhecido. Em troca, receberia uma nota rasgada de 100 dólares, quantia suficiente para comprar um celular com câmera, revendido por sua irmã, por 600 mil guaranis.
Mais do que um ótimo programa para o 1 de maio dos cariocas, Maneglia presenteou seus conterrâneos com um excelente filme. “7 Caixas” tem uma clara relação com Hollywood – cinematografia praticamente exclusiva nas poucas salas de cinema do Paraguai – mas não deixa de projetar questões genuínas. Por exemplo, no lugar de carrões de última geração, uma realidade paraguaia: uma disputa alucinante entre Victor e os comparsas de um carregador concorrente com carrinhos-de-mão! O roteiro também contempla reviravoltas e tem várias cenas de alívio cômico, outros recursos também utilizados pelo cinema americano. A pobreza como pano de fundo da história imediatamente lembra filmes de outros países, como o brasileiro “Cidade de Deus” (2002) e, mais precisamente, o inglês “Quem quer ser um milionário” (2008). No entanto, a caracterização dos personagens – principalmente os estrangeiros, lembrando a diversidade de povos de Ciudad del Este – e o fato de o filme ter sido rodado em guarani – a lingua co-oficial do Paraguai – tornam o filme, de uma vez por todas, paraguaio.
Além do roteiro, outros aspectos do filme são excepcionais. O trabalho da equipe de fotografia escolhida por Maneglia é brilhante, valorizando as particularidades do Mercado 4 de dia e à noite. O diretor também desenvolve um excelente trabalho, principalmente no que se refere à visão subjetiva de alguns personagens e aos ângulos inusitados, gerados com a instalação de câmeras em diferentes locais dos carrinhos-de-mão. Quanto ao som, o filme pode ser qualificado de uma mescla apropriada de som direto, instrumentais bem americanos – como o techno – e músicas locais, propositadamente inseridas no espaço diegético, como as rádios e TVs, criando as condições necessárias e ideais para que os paraguaios se identifiquem com o filme.
Em suma, “7 Caixas” pode ser considerado uma cópia paraguaia do cinema americano. Mas, entendido o contexto histórico e comparando as condições de filmagem com os aspectos técnicos encontrados, “7 Caixas” é uma cópia muito melhor e, utilizando um adjetivo que não costuma estar associado ao nosso vizinho, “7 Caixas” é um filme original.
Sagitariano carioca que mora em Natal. Jornalista formado pela UFRJ e UFRN. Apaixonado por cinema, praia e viagens.
Filme MUITO BOM ! Surpreendente realmente !