No início deste mês, mais especificamente nos dias 03 e 04 (sábado e domingo, respectivamente), o Teatro Riachuelo trouxe a Natal o espetáculo “Razões para ser bonita”, de Neil Labute, com direção de João Fonseca, e protagonizado pela carismática Ingrid Guimarães, acompanhada de Marcelo Faria, Aline Fanju e Gustavo Machado. O espetáculo já foi encenado na Broadway e em Londres e chegou ao Brasil em 2012, com texto traduzido e adaptado por Susana Garcia, sob a responsabilidade do elenco já citado.
O roteiro pode, a um primeiro momento, parecer supérfluo, por focar basicamente nos conflitos estéticos dos personagens. Mas o texto parte da superfície e mergulha além do que o título sugere. Steph (Ingrid Guimarães) é melhor amiga da policial Carla (Aline Fanju), mas não tão atraente quanto a amiga. Carla, por sua vez, sofre as consequências de sua beleza, sendo vista muitas vezes de forma superficial pelos homens, inclusive por seu namorado, Leo (Marcelo Faria), que mesmo namorando uma mulher desejável, tem um caso com outra mais nova que ela. Leo é o típico sujeito preocupado com estética e que supervaloriza o corpo. Exatamente o contrário de Greg (Gustavo Machado), (ex) namorado de Steph, que enfrenta as consequências de um comentário infeliz mal-interpretado pela amada, o que acarreta na quebra do relacionamento dos dois.
João Fonseca vem de uma longa trajetória no teatro, tendo dirigido textos, entre outros, de Nelson Rodrigues, Ariano Suassuna e William Shakespeare. É conhecido por ser um diretor criativo e inventivo e isso é bem visível na peça “Razões para ser bonita”. Os desacostumados podem estranhar o visual “cinematográfico” do espetáculo. Desde o cartaz, que lembra o de um filme, até os créditos iniciais que são exibidos em um telão, passando pela iluminação e pelo cenário. As composições de cena e até mesmo os diálogos diversas vezes me remeteram às montagens do cinema e me fizeram imaginar como aquilo ficaria nas telonas.
Engana-se quem pensa que isso é um ponto negativo. O diretor e os atores não se perdem e constantemente “puxam” o público para perto, relembrando do formato real da obra. Isso acontece, por exemplo, nos momentos em que os personagens dialogam diretamente com o público, quebrando a quarta parede que às vezes parece existir em montagens de teatro, e também nos momentos em que os personagens escrevem para o público em telas transparentes palavras que remetem às suas angústias.
O texto de “Razões para ser bonita” não é exatamente o tipo que prende a atenção, e às vezes parece perambular por diálogos desnecessários, cuja única finalidade é tentar fazer rir, e para este fim, nem sempre se mostram eficientes. Contudo, em sua essência, a peça traz uma boa reflexão sobre os indivíduos e suas complicações internas, que afetam diretamente a sua forma de se relacionar e encarar o mundo. O ritmo do espetáculo, ditado pela trilha sonora (é quase impossível lembrar da peça sem associar imediatamente à música de fundo) não é cansativo e organiza bem todos os momentos do texto, fazendo com que nos identifiquemos com os personagens, suas problemáticas, e a resolução delas.
Após dois anos em cartaz, com mesmo elenco, “Razões para ser bonita” ainda tem muita estrada para percorrer. Seja pelo caráter inventivo de João Fonseca, pelos momentos de sensibilidade do texto, ou pelo humor genuíno (embora pouco aproveitado) de Ingrid Guimarães, vale a pena ver a peça.
Jornalista, cinéfila incurável e escritora em formação. Típica escorpiana. Cearense natural e potiguar adotada. Apaixonada por cinema, literatura, música, arte e pessoas. Especialista em Cinema e mestranda em Estudos da Mídia (PPgEM/UFRN). É diretora deste site.