“O obsceno está na realidade, não na foto.”
O documentário brasileiro “Abaixando a máquina: ética e dor no fotojornalismo carioca”, com direção de Guillermo Planel e Renato de Paula, foi lançado em 2007, e trás uma visão mais íntima e humanizada do ofício do fotojornalista, profissional responsável por captar, através da câmera fotográfica, muito mais que fatos, mas sentimentos, emoções e a realidade social.
O filme tem o formato unicamente de depoimentos e, apesar disso, não se torna monótono. Vários fotojornalistas desabafam, por pouco mais de uma hora, sobre a profissão, em seus mais diversos aspectos. Também têm espaço no filme personagens ligados à profissão, como editores e repórteres de texto de veículos de comunicação cariocas. Os depoimentos são intercalados com cenas gravadas de “making of” de coberturas, e, claro, fotografias feitas por alguns dos entrevistados.
Documentário também discute dificuldades do profissional de fotojornalismo carioca, como a cobertura de conflitos e tiroteios |
“Abaixando a máquina” possui uma divisão temática quase imperceptível, já que o roteirista (Guillermo Planel) soube como organizá-la sem destoar o filme. Os entrevistados passeiam por temas como a postura ética do profissional, as dificuldades do ofício, o relacionamento com os colegas de trabalho e editores, a percepção que se tem acerca do fotojornalista e, ainda, o papel social do fotojornalista.
Guillermo Planel desmistifica, no filme, o mito do fotojornalismo enquanto ofício meramente técnico e prova que, por trás da profissão, tem muito mais que “erguer uma máquina e apertar um botão”. Os personagens que vemos são, decididamente, mais pessoas humanas que profissionais treinados, e sabem (alguns, ainda buscam) dosar com competência a frieza e sensibilidade exigidas pela profissão.
O filme mostra que, algumas vezes, o talento é relacionado com a frieza. Mas também mostra a importância de não perder a sensibilidade e a humanidade diante dos fatos. Sensibilidade essa tanto para percebê-los quanto para não perdê-los (e saber a melhor forma de fotografá-los, com respeito) e, ainda, algumas vezes, poupá-los.
A “dor” presente no subtítulo do doc refere-se a difícil tarefa de encarar, diariamente, a realidade social (por vezes nem tão bonita), fotografá-la e, ainda assim, se manter imune a ela. Por vários minutos, o documentário centra-se nas experiências de repórteres diante de conflitos, tiroteios, mortes e momentos em que suas vidas acabam sendo ameaçadas em nome do ofício. Contudo, ao fim do filme, tem-se uma mudança de ângulo para o papel do profissional de fotojornalismo na sociedade em que ele, graças à profissão, conhece muito bem. Alguns fotojornalistas aproveitam-se do conhecimento adquirido para, não enquanto profissionais, mas enquanto indivíduos sociais, ajudarem a transformar aquela realidade.
Por fim, a impressão que fica é que, apesar do subtítulo, “ética e dor”, há o contraste evidente com o “prazer” no fazer fotojornalismo. Apesar de um pouco amador a níveis técnicos, o filme é capaz de conquistar e envolver, por seu conteúdo, mesmo aqueles que não são apaixonados pela temática.
Jornalista, cinéfila incurável e escritora em formação. Típica escorpiana. Cearense natural e potiguar adotada. Apaixonada por cinema, literatura, música, arte e pessoas. Especialista em Cinema e mestranda em Estudos da Mídia (PPgEM/UFRN). É diretora deste site.