O estilo do curta “Diz Adeus!” e o espírito do cinema independente 

Geralmente analiso aqui longas metragens, mas para o texto de hoje irei me voltar para outro formato, o curta-metragem. O curta é uma opção de menor custo por isso é a porta de entrada para cineastas independentes e em começo de carreira. Partirei desse ponto na escolha do curta da análise, um curta-metragem independente e brasileiro: Diz Adeus!. Veja o curta primeiro:

 

Uma das intenções dos textos aqui publicados é a busca por conhecimentos objetivos sobre as decisões estilísticas dos diretores, o processo de criação cinematográfica. E espero que esse conhecimento seja útil para outros cineastas e estudiosos do cinema. A análise de um curta independente entra justamente nessa questão: observar como cineastas independentes põem em práticas seus conhecimentos cinematográficos numa prática de produção de baixíssimo orçamento. Como eles resolvem os problemas impostos pela arte do cinema? Uma definição para a prática artística é o paradigma problema-solução.

Onde filmar? (Busca por Cenários)

Numa prática de produção independente as questões de mise-en-scène (cenário, figurino, iluminação e maquiagem) são as que mais podem ser afetadas. Não há dinheiro para elaboração de sets únicos ou acesso a locações diversas, que devem ser preenchidas com outros outros adereços para construção. Geralmente se filma onde dá. As escolhas estilísticas dos diretores nesse sentido ficam reduzidas. Mas como o diretor de Diz Adeus!, Lucas D’Peder, se confronta com esse problema? 

O primeiro plano do curta já nos oferece algumas respostas. 

Uma estrada de barro no meio do nada, só mato ao redor. É noite, a única luz no local é da Lua e do carro que ilumina a mulher que corre dele. É estabelecido tensão já nos segundos iniciais, a trilha sonora também desempenha um papel importante aqui. Para intensificar, o diretor nos coloca dentro do carro e no ponto de vista do motorista, ocupando o primeiro plano. Numa encenação em profundidade, a mulher correndo ocupa o plano intermediário, enquanto o plano de fundo permanece na escuridão. Escuridão essa que será usada para finalizar o plano. Tudo isso num único plano. A cena funciona para estabelecer o tom do filme e ainda nos dá os créditos de abertura. Todos os elementos usados aqui são simples no sentido de não necessitarem de grande valor de produção. Elementos simples que combinados funcionam de maneira bem eficaz. 

Temos também a introdução do protagonista, o matador de aluguel Alex, interpretado pelo próprio diretor do curta Lucas D’Peder, que tem um visual bem icônico, a roupa preta, o óculos amarelo, o cavanhaque e cabelos longos. Houve uma preocupação com cada aspecto visual do protagonista. 

Noutro exemplo temos a cena da rua. 

Ruas não são itens de luxo de Hollywood. Elas oferecem valor de produção que filmes independentes não poderiam arcar. É do espírito do cinema independente ir para as ruas filmar. Em Diz Adeus! o diretor consegue trazer uma intensidade e dramaticidade para a cena na rua através da encenação, repare como os atores se movimentam nela, pelo enquadramento fixo distante, que nos dá possibilidade de perceber as movimentações e as relações entre elas, e pela trilha sonora atmosférica. 

Os dois exemplos evidenciam o uso inventivo de cenários que são relativamente de fácil acesso. Claro que filmar a noite numa estrada de barro não é a coisa mais segura do mundo. Mas o ponto não é copiar as locações. É entender que lugares com dramaticidade estão por aí, devem ser encontrados e combinados com outros elementos fílmicos para tingir o efeito necessário para a cena. É uma questão essencial que o diretor deve resolver.

Como filmar? (Cinematografia e encenação)

Como vocês puderam perceber pelos  planos extraídos, o curta se baseia em encenações em profundidade, ou seja, usa todas as camadas do plano para intensificar sua narrativa e expressividade. Encenar a sua cena de maneira inventiva é algo que o cineasta pode fazer sem precisar de grandes orçamentos. Vamos aos exemplos.

Nesse plano, duas ações distintas são mostradas ao mesmo tempo, sem necessidade de corte. O retrovisor mostra o matador Alex, enquanto ao fundo as suas próximas vítimas. Ter mais elementos no plano o pode tornar mais rico. E a recusa do corte nos coloca dentro da ação, como apontado nos dois exemplos anteriores. Outro padrão a ser destacado é que os planos tendem a ser razoavelmente longos. 

Novamente, temos a encenação em profundidade aqui, mas com a movimentação de câmera, vamos para uma encenação em linha, uma composição simétrica. Destaquei anteriormente as movimentações e relações dos personagens dentro do quadro. Sempre Alex estava numa posição de domínio nos exemplos, aqui temos uma igualdade. Inclusive o plano abre com Alex bem menor do que a irmã da vítima, por quem ele havia se apaixonado.  O planos dos dois dentro da casa vai continuar essa igualdade dentro do quadro. 

Deixo mais duas composições em profundidade, uma humorística e uma tensa. O confronto com o flanelinha e o serviço em ação. 

Em conclusão

A produção de um curta-metragem envolve diversas decisões. Aqui, quis pôr o holofote na composição dos planos, como deixar tudo mais interessante. E fazer isso com decisões simples, mas certeiras na criação do efeito desejado. Creio que obter o efeito proposto seja a principal questão numa produção de curta-metragem independente. Não é reinventar a roda. Para ser uma grande diretor é necessário ser um bom diretor, como disseram por aí. Dominar o ofício primeiramente, ser um craftsman. Quem sabe isso já não seja suficiente para inspirar outros cineastas, isso elevará o valor de sua obra.

Esses dois fatores, eficácia na realização da proposta e a influência, para análise da qualidade de uma obra, foram retirados da obra de Barry Salt. Há uma terceiro fator, o mais importante, a originalidade. Que seria a personalidade única do diretor expressa na obra. Mas para alcançá-la é necessário ser um bom diretor primeiro. 

Que filmes (curtas ou longas) vocês acham que são exemplos de um bom craftsman? Ou que tentam expressar uma personalidade, mas falham no primeiro passo? Deixem nos comentários. See you space cowboy.

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Jonathan DeAssis
Estudante de mestrado da UFRN. Aspirante a cineasta. Tenta analisar filmes.
Jonathan DeAssis

Jonathan DeAssis

Estudante de mestrado da UFRN. Aspirante a cineasta. Tenta analisar filmes.

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