Uma das categorias mais levadas a sério pelo Oscar é a de Melhor Filme Estrangeiro. Isso porque a Academia parece deixar de lado qualquer sentimento mercadológico e tenta encarar o cinema como algo além dos negócios e, muitas vezes, além do entretenimento. Nesse quesito, Itália e França parecem ter preferência.
Dentre prêmios honorários e prêmios ao mérito, a categoria já entregou 11 estatuetas os franceses, 12 aos italianos e uma para ambos na produção franco-italiana Três Dias de Amor que, mesmo sendo de 1949, levou o prêmio honorário em 1951. Para o Oscar de 2014, a França, que selecionou Renoir, do diretor Gilles Bourdos (Depois de Partir, 2008) como seu representante, ficou de fora dos cinco finalistas da cerimônia, deixando como franco favorito (perdão pelo trocadilho) o filme italiano A Grande Beleza.
Dirigido por Paolo Sorrentino (Aqui é o Meu Lugar, 2011), A Grande Beleza acompanha Jep Gambardella (Toni Servillo, de Gomorra, 2008), escritor de 65 anos de idade muito respeitado por seu único livro publicado. Jep é um homem de vida regada às festas e drogas com seus amigos da alta classe artística de Roma. Basicamente a trama é essa, bem simples. O que transforma o filme numa obra relevante para a Academia, e para demais premiações, é seu belo traço técnico e seu ácido teor crítico.
O roteiro de Sorrentino e Umberto Contarello (Aqui é Meu Lugar) se utiliza de diálogos inteligentes para analisar a situação artística de Roma hoje. Jep e seus amigos, todos com idades avançadas, se encontram frequentemente para grandes festas e ácidos embates reflexivos. Ao acompanhar esses encontros, somos observadores das críticas ao estilo de vida dos jovens artistas, que não produzem algo substancial, da necessidade do surgimento de grandes artistas, demonstrada na cena onde uma jovem garota é obrigada por seus pais a mostrar seu prodígio talento de pintora (e meio de enriquecimento dos pais) e da impotência que os artistas mais velhos vivenciam ao se deixarem incapazes, mergulhados em suas vaidades estéticas e intelectuais. Destaque para a cena onde Jep e uma amiga autora comparam suas vidas vazias de inspiração ao criticarem seus trabalhos.
O elenco do filme está todo muito bem, mas o destaque, sem dúvidas, é de Servillo. O ator acerta com precisão o sentimento de seu personagem, um homem que já não sabe o que fazer da vida e que está num estágio onde pouco lhe agrada, nada lhe inspira e muito o faz lamentar.
Já o fator técnico é quase, quase impecável. A câmera de Sorrentino mostra, com muita beleza, diversos pontos da cidade italiana, como grandes obras arquitetônicas ou mesmo belezas naturais, sejam através de rios e parques ou da exposição de corpos femininos. A câmera, muitas vezes em movimento, traz uma interessante dualidade para o filme, deixando-o com um conteúdo cult em uma linguagem mais cool.
A grande fotografia de Luca Bigazzi (também de Aqui é o Meu Lugar) consegue deixar Roma mais apaixonante. Destaque para a casa do protagonista, com uma espécie de varanda com vista para o Coliseu (somente!), a cena com as aves na varanda de Jep e a cena na qual uma viciada em cocaína olha para o céu, com o nariz sangrando, e se depara com alguns aviões soltando pequenas “carreiras” de fumaça.
Porém, como disse anteriormente, a técnica do filme é quase perfeita. Se o filme critica duramente as artes de hoje e mostra com maestria as obras dos artistas passados, a estrutura narrativa não costura esses dois pontos com precisão. Acredito que a intenção de Sorrentino é criar um comparativo entre os dois tempos, mostrar o que Roma foi e o que é hoje. Mas, se essa é realmente a intenção embutida na película, essa mensagem não está tão clara por não ser bem executada. O que vemos em cena mais parece um misto de crítica e homenagem, findando no papel “bate e assopra”.
A Grande Beleza pode não ser o melhor filme estrangeiro do Oscar 2014 (pra mim não é, com certeza!), mas é, sem dúvidas, cinema de qualidade. Apresentando mais méritos que erros, o filme pode ser entendido em sua cena inicial, quando um turista japonês parece falecer numa excursão, como se a classe artística da cidade fosse o turista que se encanta demais com as belezas externas de Roma, mas que, por dentro, tem algo morrendo.
Radialista por formação e jornalista em formação. Minha paixão pelo cinema me trouxe ao Chaplin; minha loucura, ao Movietrolla. Qualquer coisa, a culpa é d’O Chaplin… E “A Origem” é o maior filme de todos!
[…] Monroe” (Bélgica) “A grande beleza” (Itália) “A caça” (Dinamarca) “The missing picture” (Camboja) […]