Antes de mais nada, deixe-me avisá-los: A Bruxa não é para os fracos de coração. E não, A Bruxa não é um filme para todos. Embora o título possa sugerir, não se trata de um popcorn de terror, repleto de sustos e piadinhas para aliviar a tensão de determinada cena, como na série Pânico. E não me entenda mal, sou fã da franquia de Wes Craven, que se manteve atual até seu último suspiro. Foi ela que revitalizou o moribundo gênero de terror em meados dos anos 90.
Mas 20 anos já se passaram e, ao passo que a fórmula foi se consagrando e até mesmo se reinventando, ela também sofreu os efeitos do tempo e ficou desgastada. Chegou um novo tempo para o terror, no qual diretores e público (o público, sim senhor) são desafiados a sair da mesmice, a se desprender de modelos arraigados. Os mais notáveis esforços dos últimos anos nesse sentido foram: O Segredo da Cabana (que eu odiei, porque simplesmente trai o espectador), It Follows e A Bruxa. Essa nova era do terror veste o gênero de uma maneira diferente, desenrolando suas tramas enquanto exploram níveis e mais níveis de significado e temas fundamentais através de metáforas. A Bruxa faz isso muito bem.
O filme é o primeiro longa do diretor Robert Eggers e foi produzido pelo brasileiro Rodrigo Teixeira. A história se passa na primeira metade do século XVII e acompanha a história de uma família inglesa composta por William e Katherine (pais), Thomasin (filha mais velha), Caleb, Mercy e Jonas (gêmeos). A trama começa com a família sendo banida da sua vila na colônia, sendo obrigada a se mudar para uma sombria área cinzenta, nos limites da floresta. Lá eles constroem uma casa, plantam milho, e Samuel, o quinto filho da família nasce.
A história se desenrola sob o ponto de vista de Thomasin e isso fica claro desde o início. Ela é a última a sair do salão onde William está sendo julgado na cena inicial e a única a olhar para trás quando os portões da vila se fecham. Ela constantemente se lembra da casa cheia de vidros na Inglaterra. É também Thomasin que está cuidando do pequeno Samuel quando este é raptado por uma força oculta.
A partir daí o efeito dominó de desgraças tem seu início. O mal pode ser enxergado em cada canto, em cada animal (literalmente) e na sombra de cada um dos membros da família. É curioso perceber como a família cristã puritana, tão (supostamente) guiada pela religião traz todo aquele mal sobre si mesma.
O patriarca, por orgulho prefere arriscar o conforto e a proteção de sua família. Caleb, que parece estar sendo talhado para ser um cristão puro por seu pai, tem revelada a repressão trazida pelo puritanismo na forma de desejo e culpa direcionados para Thomasin. Os gêmeos, trazem consigo algo sinistro, estão sempre incomodando Thomasin (alguma dúvida de quem é a protagonista aqui?) e brincando com um bode, apelidado de Black Phillip, para quem constantemente cantam e a quem chamam repetidas vezes de “rei” (é claro que tem algo estranho ali). A mãe Katherine, especialmente após o sumiço de Samuel se torna um fantasma, sempre chorando, inerte, a não ser para (adivinhe só) culpar Thomasin, a quem planeja vender a uma família.
O filme é tenso do início ao fim. Sua música enervante não nos deixa em paz, a não ser quando pedimos por alguma instrumentação. Aí é hora de nos deixar apenas com o macabro som ambiente, um trabalho sonoro de mestre. O elenco inteiro está impecável, com destaque óbvio para Anya Taylor-Joy e menção especial para Harvey Scrimshaw, dono de uma cena de possessão de dar inveja em muito ator veterano. A fotografia é meticulosamente trabalhada, criando um código de estética próprio que ecoa por todo o filme e vai, progressivamente, nos dando a sensação de claustrofobia e de inevitablidade.
Ao contrário do que William promete no início do filme, a família é consumida por aquele lugar selvagem, pelos seus próprios medos e perseguida pelos seus próprios pecados na forma de bruxa. A dinâmica familiar e o terror iminente vindo da floresta nos permitem refletir, entre outras coisas, sobre o papel da mulher na sociedade, sobre puberdade, religião, culpa e liberdade. Verdade seja dita, ser um filme de época talvez transporte parte do público a um lugar onde talvez seja difícil enxergar todas essas metáforas.
O final é profético, sombrio e, ironicamente, catártico, nos fazendo pensar sobre o significado alegórico d’A Bruxa. O filme está em cartaz, com seis sessões diárias em Natal, nas salas do Cinépolis e do Cinemark.