Cena do filme A Onda |
Durante três anos participei de um grupo que me fazia especial. Era o chamado Clube da Cultura, do qual participei durante todo o meu Ensino Médio. Ainda lembro do quanto ficava ansiosa pela chegada do mestre, Professor Félix. Ele sempre adentrava a sala a passos largos e firmes, fortes, preparava o vídeo que veríamos a seguir e antes de qualquer comentário, perguntava:
– O que nos faz seres?
– A ciência! – eu respondia, já de pé, juntamente a tantos outros integrantes do grupo.
– O que nos faz homens?
– A arte, a cultura e o saber! – respondíamos, novamente em unísono e ainda de pé.
– Boa noite, crianças.
Só então podíamos sentar. Assistíamos a filmes, discutíamos assuntos, expusemos, formamos e reformulamos opiniões. Era o melhor momento de cada semana, eu era parte de algo especial, ao menos para mim.
Certo dia, nesse mesmo grupo, nosso orientador falou-nos acerca do filme “A Onda”. Achei a história interessante e anotei para assisti-lo posteriormente. Esse posteriormente apenas veio a acontecer três anos mais tarde. Não mais uma colegial, mas uma universitária, em decorrência de um trabalho para a disciplina de Psicologia da Comunicação.
O filme encantou-me e nostagiou-me, de fato. Tudo começa quando o professor e anarquista puro Rainer Wenger vê-se diante do desafio de lecionar uma semana de curso sobre autarquia, sistema com o qual não concorda. No primeiro dia de aula, vê-se diante de uma turma totalmente desacreditada e envergonhada do sistema que outrora dominara a sociedade alemã – onde o filme se passa – e cujo único motivo para estarem ali era “escapar” das aulas do professor tediante que lecionaria anarquismo.
Wenger, então, provoca a turma, indagando se um sistema autarquista seria possível na sociedade alemã em que viviam. A resposta é uma só: aquilo era uma utopia. Então, o professor, determinado a fazê-los entender o sistema, propõe que formassem, durante as aulas, uma autarquia baseada nos princípios de obediência, respeito e união. Nascia A Onda.
O que acontece a seguir é um princípio de nazismo e a representatividade clara de como um indivíduo consegue influenciar e comandar um grupo, fazendo-o acreditar que atitudes autoritárias e discriminatórias poderiam ser aceitas e colocadas em prática por um “bem maior”. A Onda fazia com que aqueles jovens se sentissem parte de algo importante e que qualquer um que se opusesse àquilo merecia o isolamento.
A Onda é um grande filme para quem deseja analisar como um único indivíduo pode influenciar um grande grupo e a formação de uma sociedade autoritária, cega em suas ações e ideologias.
A nostalgia, contudo, veio de como, ao fim do filme, eu senti falta dos bons tempos em que, dentro das quatro paredes da sala de vídeos do meu antigo colégio, eu podia me sentir especial ao levantar-me, obediente, da cadeira e responder, firme: “A arte, a cultura e o saber!”. Não por um objetivo nazista, é claro.
Jornalista, cinéfila incurável e escritora em formação. Típica escorpiana. Cearense natural e potiguar adotada. Apaixonada por cinema, literatura, música, arte e pessoas. Especialista em Cinema e mestranda em Estudos da Mídia (PPgEM/UFRN). É diretora deste site.