Quantas infâncias não foram aterrorizadas pelas famosas bonecas amaldiçoadas que supostamente advinham de qualquer espécie de pacto com o capiroto? Os objetos inanimados que de alguma forma são possuídos e passam a ser mediadores de atividades paranormais são um dos maiores clichês dos filmes de terror. Mas se a temática é abordada de forma criativa e competente, torna-se também um dos meios mais eficientes para se provocar medo no escurinho de cinema. Apesar de, admito, não ser nenhuma especialista no que concerne a filmes do gênero, posso afirmar que “Annabelle”, mais nova aposta dessa safra do lado negro do cinema, cumpre muito bem o seu papel.
Nada consegue credibilizar mais um filme e, no caso dos de terror, atemorizar mais um espectador que os letreiros indicando que aquela trata-se de uma história baseada em fatos reais. Isso por si só já é suficiente para subir um arrepio na espinha e levar o filme “a sério”, afinal, se aconteceu com dois fulanos em um condado da Inglaterra, poderia, de alguma forma, acontecer com qualquer um de nós. Esse é o primeiro acerto de “Annabelle”. Já começa com a certificação de ser uma história real.
Não bastasse isso, a história ainda consegue mais vantagens para o seu roteiro. Além da boneca do tinhoso, ainda existe no enredo: um padre; um casal lindo, promissor e politicamente correto; uma seita satânica; uma máquina de costurar (não sei vocês, mas eu sempre fico angustiada com closes em máquinas de costurar funcionando); um bebê. O cenário está pronto. Annabelle, desde a sua constituição, já tinha todos os elementos possíveis para ser um dos filmes mais assustadores do ano.
Mas nem só de elementos apelativos se faz um filme de terror. O principal acerto de Annabelle está na competência com a qual o diretor John R. Leonetti e sua equipe souberam tratar a obra. Desde os primeiros indicativos de divulgação da produção, a montagem da boneca Annabelle já assustava. À propósito, essa é o tipo de boneca que assustaria ainda que não tivesse “o cão nos coros”. O terror abdica da crueza, das maquiagens horripilantes, das carnificinas e dos exageros para dar lugar a um horror psicológico, que paira no filme e nos assombra a todo momento.
A trilha sonora, densa e coerente com o gênero, torna difícil de prever os momentos em que algo acontece. Em determinadas cenas, o filme nos obriga a ficar estáticos por minutos, esperando que algo aconteça e quando finalmente respiramos aliviados, achando que o pobre personagem está fora de perigo, é nesse momento que somos pegos desprevenidos, surpreendidos e aterrorizados.

Destaco aqui também a surpreendente atuação de Annabelle Wallis (imaginem o bullying que essa atriz sofreu no set de filmagem por seu nome), que interpreta Mia, uma mistura da Rosemary (Mia Farrow), de Polanski em “O bebê de Rosemary”, e Rachel (Naomi Watts), de “O Chamado”. A todo momento Mia corre, sofre, é a personagem mais “bulinada” do filme, e como se não bastasse ter que salvar a própria pele, ainda tem que ficar de olho na filha recém-nascida, que parece ser o principal objeto de desejo da trupe demoníaca objetificada pela presença constante da feiosa boneca Annabelle.
“Annabelle” é um filme que já começa assustador em sua essência. A competência dos envolvidos coroa com laurel de ouro e faz deste, creio, um dos melhores filmes do gênero do ano. Apesar de parecer uma expressão contraditória, eu diria que se trata de um filme de terror de “bom gosto”, que nos impacta não apenas pelo que vemos, mas pelas sessações que nos são provocadas e pelo clima de tensão que vai além dos sustos, mas sobrepõe todos os 98 minutos de filme.

Jornalista, cinéfila incurável e escritora em formação. Típica escorpiana. Cearense natural e potiguar adotada. Apaixonada por cinema, literatura, música, arte e pessoas. Especialista em Cinema e mestranda em Estudos da Mídia (PPgEM/UFRN). É diretora deste site.