Mossoró é de uma tradição que chega a invejar a capital do estado, Natal. Assim como Caicó, capital do Seridó, a terra de Santa Luzia tem uma formação cultural forte que orgulha seus filhos e encanta seus visitantes. E foi na categoria de hóspede que estive em Mossoró no último fim de semana para assistir, pela primeira vez, ao espetáculo Chuva de Bala no País de Mossoró, sobre o qual há alguns anos escutava falar e aguçava a minha curiosidade, que acabou por transformar-se em uma grande e potencializada expectativa.

Foto: Canindé Soares
Foto: Canindé Soares

Em geral, isso é um grande problema, visto que, proporcionalmente, quanto maior é a expectativa, maior a probabilidade de um resultado frustrante. Contudo, resolvi acatar a dica do anfitrião da cidade, o prefeito Francisco José Júnior, que garantiu “nível Broadway”, e reservei o máximo da minha atenção para a saga da cidade que confrontou o bando Lampião.

Projeções mapeadas são destaque no novo Chuva de Bala | Foto: Marcela Medeiros

O Chuva de Bala é encenado desde 2003, e para este décimo terceiro  ano, a experiente diretora e coreógrafa natalense Diana Fontes foi convidada a assumir a batuta do espetáculo, com o objetivo de modificá-lo e entregar uma peça diferente da que o público estava acostuma a conferir. O resultado não poderia ter sido mais satisfatório! Diana abusou da criatividade e das possibilidades e entregou uma chuva de grandiosidade e deslumbramento àqueles que puderam conferir de perto a montagem. A direção mostrou-se segura e feliz no desafio nada fácil de harmonizar a grande quantidade de elementos e atores em cena.

Muito provavelmente, o que  mais chama atenção no Chuva de Bala de Diana é o uso de efeitos especiais (projeções, sobretudo) para ajudar a narrativa. Muitos que se utilizam desta tecnologia acabam fazendo-o de forma quase aleatória, apenas a fim de exposição, mas poucos fazem o que Diana conseguiu: um uso eficiente. Percebe-se que não se trata apenas de uma ferramenta extra, mas de um elemento fundamental e competentemente aplicado ao espetáculo. Um tiro arriscado, mas certeiro, de Diana e Wil Amaral, que assina a projeção mapeada e efeitos visuas.

A direção de arte do espetáculo também sobressai. Os figurinos e maquiagem dispensam exageros, mas encontram o ponto certo, com beleza, cores e cortes que me fizeram pensar no cuidado e criatividade que foram aplicados a cada um dos modelos e na micro história que cada um deles, junto aos seus personagens (mesmo os que não possuem falas), contavam. Não existem firulas no país de Mossoró. A impressão que fica é que tudo foi caprichosamente pensado e indispensavelmente inserido para o contexto em questão.

Outro grande destaque são as atuações e a segura direção de elenco. Impossível não citar as atuações firmes e versadas de Igor Fortunato (Lampião) e Carlos José (Prefeito Rodolfo Fernandes), que se destacam em seus protagonistas. Contudo, fica também a minha menção à graça e talento de Natália Negreiros, intérprete de um dos personagens narradores que “costuram” a história.

Tenho o hábito de observar os coadjuvantes em cena, mesmo quando os holofotes apontam para os protagonistas. É uma forma de perceber o nível de envolvimento que o grupo como um todo desenvolve. É bem comum ver atores desconcentrados e inexpressivos, geralmente aqueles que não enxergam a importância de seu papel em cena, mesmo na posição de coadjuvantes. Contudo, isso seguramente não acontece em Chuva de Bala. Era possível enxergar o brilho, a empolgação  e o talento individual de cada um dos atores, que pareciam em perfeita sintonia em grupo.

Natália Negreiros como Antônia | Foto: Elias Medeiros

Os momentos ápice do Chuva de Bala dão-se em ocasião dos números musicais. A junção da música de Fábio Monteiro, Gideão Lima e Danilo Guanais, dos arranjos impressionantes de Eduardo Taufic, e das brilhantes coreografias de Hykaroo Mendonça e Diana Fontes fazem toda a diferença no espetáculo e desafiam o público a conseguir desviar a atenção do palco. Outro desafio é conseguir esquecer os versos de “Arrocha, arrocha, prefeito / que agora a coisa vai / quero ver esse cego maldito dominar / a terra de Santa Luzia”. Esta escriba permitiu-se deslumbrar e continua cantarolando o trecho mesmo após dias da apresentação.

Chuva de Bala no País de Mossoró é, também, deslumbramento. Mas resumi-lo a esse termo é minimizar o trabalho apurado de pesquisa histórica e cênica e a técnica competente aplicada em todos os momentos, que resultam em um produto belíssimo, é verdade, mas também inteligente em todos os seus aspectos e que atingiu com sucesso o seu maior objetivo, ao meu ver: provocar identificação e ser um retrato grandioso da essência do povo e da história de Mossoró.

Foto: Elias Medeiros

Este é o último fim de semana de apresentação do espetáculo, que será encenado até o domingo, 28, e minha recomendação é: pegue o primeiro pau-de-arara a caminho do Oeste do estado e permita-se encantar com este fantástico presente do país de Mossoró!

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Andressa Vieira
Jornalista, cinéfila incurável e escritora em formação. Típica escorpiana. Cearense natural e potiguar adotada. Apaixonada por cinema, literatura, música, arte e pessoas. Especialista em Cinema e mestranda em Estudos da Mídia (PPgEM/UFRN). É diretora deste site.
Andressa Vieira

Andressa Vieira

Jornalista, cinéfila incurável e escritora em formação. Típica escorpiana. Cearense natural e potiguar adotada. Apaixonada por cinema, literatura, música, arte e pessoas. Especialista em Cinema e mestranda em Estudos da Mídia (PPgEM/UFRN). É diretora deste site.

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