As Brasis que representam o nosso Brasil

Desde ontem, segunda-feira de Carnaval, 08/02, que vejo circular pela internet um polêmico episódio envolvendo a passagem de Baby do Brasil por Natal no último domingo, 07/02, em ocasião do tradicional Desfile das Kengas, que acontece todos os anos no Centro Histórico de Natal.

Apesar de não ter estado presente no show da ex tropicalista, tomei conhecimento do ocorrido devido a essa matéria do site Apartamento 702, que explica bem o que rolou na ocasião. Em resumo: Baby do Brasil foi infeliz no discurso de recebimento da faixa e coroa de Madrinha das Kengas, tendo sido o ponto alto a sua alegação de que “todo homem para mim é homem, talvez o que tenha faltado para eles foi uma boa mulher”. No mesmo link é possível ver o vídeo do discurso de Baby Brasil em ocasião da homenagem.

Contudo, foi uma postagem que vi hoje no Facebook que me fez refletir melhor sobre o episódio e o que podemos colher de seus desdobramentos para a nossa sociedade. O curto texto é assinado pelo artista Juão Nin, e foi divulgado com privacidade pública em sua página na rede social. Peço licença para a reprodução abaixo:

Natal não tem discernimento mesmo, confundiram as Brasis!

Inês tava na cidade! Baby, devolve a faixa das Kengas e dá pra quem entende de humildade e diversidade!

Menos Baby do Brasil
E
Mais Inês Brasil.

Publicado por Juão Nin em Terça, 9 de fevereiro de 2016

Importante, antes de começar esse texto, que não tem a intenção de julgar ou aplaudir comportamentos, mas apenas de levantar uma visão crítica com relação aos fatos (e, principalmente, aos indivíduos e ideias) envolvidos, explicar que não sou grande fã ou mesmo acompanho fielmente Baby (seja em seu período Consuelo ou quando adotou o pseudônimo “do Brasil”), e ainda compartilhar a retratação pública da cantora, publicada em sua página no Facebook (clique no link para ler o depoimento completo):

Gente, acabei de receber de amigos uma declaração na internet e não poderia deixar passar em branco essa oportunidade,…

Publicado por Baby do Brasil em Segunda, 8 de fevereiro de 2016

A intérprete de composições famosas da música brasileira, como “Menino do Rio” e a animada “A Menina Dança”, tem também em seu repertório canções que celebram o respeito e a liberdade sexual ou de gênero. A exemplo cito aqui três trechos de títulos diferentes:

Ser um homem feminino
Não fere o meu lado masculino
Se Deus é menina e menino
Sou masculino e feminino

(Masculino e Feminino)

Dia após dia
Começo a encontrar
Mais de mil maneiras
De amar

[…]

Tudo azul
Adão e Eva, e o paraíso
Tudo azul
Sem pecado e sem juízo

(Sem Pecado e Sem Juízo)

Pela ausência de qualquer pecado
Pelo sexo que não se sente culpado
Por quebrarmos os tabus
E assumirmos os direitos que só os homens tinham então

(Somos Todos Iguais Nessa Hora)

No entanto, advinda de classe média alta e com condições favoráveis para a busca por seus sonhos, tendo alcançado visibilidade e sucesso nacional (por mérito, convém dizer) quando tinha pouco menos de vinte anos, pode-se dizer que Baby do Brasil não se encontrou em situações marginalizadas muitas vezes em sua vida.

Em torno dos 40 anos, tornou-se pastora evangélica e adotou para si uma filosofia que assumidamente difere um pouco do movimento de aceitação e liberdade que caracterizava a ideologia dos Novos Baianos (grupo o qual integrou por uma década). No entanto, Baby manteve a postura amena e alegre no contato com os mais diversos grupos, mesmo aqueles cujas práticas diferem de sua filosofia religiosa, a exemplo dos gays.

Há de se convir, no entanto, que convidar uma pastora evangélica para alegrar um Bloco que celebra a diversidade sexual e ainda oferecer-lhe, certamente sem acordo prévio com a produção da cantora, o título e acessórios de Madrinha das Kengas pode ter provocado um nó na cabeça da artista, cuja reação foi, em seu universo subjetivo, a esperada: a “afronta” instintiva, mas seguida da tentativa de cordialidade e respeito como tentativa de reverter um quadro que já estava feio. Contudo, não houve tempo ou temperamento para consertar a situação e Baby partiu de Natal lembrada por um show e uma desfeita inesquecíveis.

Difícil apontar culpados na situação: a cantora, que proferiu, em trabalho, um discurso claramente preconceituoso e ofensivo, apesar da simpatia sempre presente e da tentativa de amenização? o público, que esperava uma reação diferente de alguém cuja religião prega outros pilares? a organização, que não soube manter cada um no seu quadrado e, assim, prever e evitar conflitos ideológicos?

A reação de Baby do Brasil retrata o típico discurso com os quais as minorias continuam precisando lidar em nosso país. Algo como: “Não contrato negros pois o público da minha empresa não os aceita bem, mas não sou preconceituoso”; “Não tenho nada contra mulheres, até sou casado com uma, mas cá pra nós, na hora de resolver alguma coisa é melhor chamar um homem”; “Eu preferia que minha filha namorasse um homem, talvez um dia ela ainda ache um que a faça mudar de ideia, mas não tenho nada contra ela ter uma namorada, até cumprimento”.

Trata-se de um preconceito velado, disfarçado de respeito contido e uma falsa empatia, com o qual acabamos nos contentando porque “é melhor isso que grupos de ódio sendo disseminados”. Mas não nos enganemos, a nossa integridade (se não a física, a psicológica) continua abalada com as tantas Baby’s do nosso Brasil.

Voltando para o Carnaval em Natal, como bem lembrou o cantor Juão Nin, no mesmo dia, no outro lado da cidade, a festa Cheers recebia outra celebridade que adota o sobrenome Brasil. Inês, a que ficou famosa pelas inúmeras tentativas frustradas de entrar na casa do Big Brother Brasil e acabou ganhando atenção após divulgar seus vídeos no YouTube, representa uma outra parcela do Brasil, que certamente não converge com a parcela que é representada por Baby do Brasil.

Inês Brasil não é advinda de uma família com recursos, nem obteve uma educação de ponta, fato comprovado por seus discursos que carecem de coerência e são aplaudidos em grande parte por se tornarem engraçados. Na verdade, o que se sabe de seu currículo é que ela foi prostituta, dançarina e o auge de sua vida (até antes da fama) foi ter sido casada com um produtor na Alemanha.

Inês Brasil. No coração, "Eu Te Amo", em alemão.
Inês Brasil. No coração, “Eu Te Amo”, em alemão.

As duas Brasil utilizam-se do discurso religioso (Alô, alô, Graças a Deus, se você não lembra, Inês Brasil costuma “pregar” também, embora com menos retórica e reservas que Baby). As duas caíram no gosto popular em momentos diferentes da história do país: Baby, quando carecíamos de liberdade cultural e de expressão, e Inês quando precisávamos (e precisamos!) de aceitação e liberdade para sermos, sem restrições, apenas com amor, respeito e, por que não, um pouco de humor.

Inês, diferente de Baby, também integrou e integra grupos marginalizados (pela forma como foi descoberta, por seu comportamento exagerado e verdadeiro, por seu discurso cuja única coerência é com a difusão do amor, pelas roupas que usa ou eventos aonde vai) e, por esse motivo, sabe a importância da empatia e do acolhimento sem julgamentos entre os indivíduos.

Antes de encerrar esse artigo, pontuo um aspecto digno de observação: Baby do Brasil ocupou espaço em todos os veículos de mídia hegemônicos da cidade (portais, jornais e emissoras de TV), seja por meio de notícias empolgadas e elogiosas à sua vinda, entrevistas ou curtos perfis de sua carreira. No entanto, o seu discurso preconceituoso para com o público que a acolheu apenas obteve espaço em veículos de mídia alternativa. Será que faltam critérios de noticiabilidade ou interesse público no episódio em questão?

Por fim, Baby’s e Inês’s existem e continuarão a existir aos montes. Resta saber a quais delas vamos continuar entregando nossas faixas e coroas.

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Andressa Vieira
Jornalista, cinéfila incurável e escritora em formação. Típica escorpiana. Cearense natural e potiguar adotada. Apaixonada por cinema, literatura, música, arte e pessoas. Especialista em Cinema e mestranda em Estudos da Mídia (PPgEM/UFRN). É diretora deste site.
Andressa Vieira

Andressa Vieira

Jornalista, cinéfila incurável e escritora em formação. Típica escorpiana. Cearense natural e potiguar adotada. Apaixonada por cinema, literatura, música, arte e pessoas. Especialista em Cinema e mestranda em Estudos da Mídia (PPgEM/UFRN). É diretora deste site.

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Telma Melo
8 anos atrás

Muito boa a sua reflexão sobre a polêmica.Parabéns pelo texto! Só acho que a produção da cantora sabia (se não sabia, é melhor trocar o pessoal) em que tipo de evento ela cantaria e que seria a madrinha das Kengas. Baby poderia ter saido de Natal ovacionada, mas saiu vaiada – inclusive por mim, que sempre adorei OS NOVOS BAIANOS.

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