“Azul é a Cor Mais Quente” revela trama sensível sobre descobertas juvenis

Descobertas, autoconhecimento e amor, esses são os três motes da HQ “Azul é a Cor Mais Quente” (Le Bleu est une Couleur Chaude, original) de autoria da francesa Julie Marroh. A história é simples, mas possui uma narrativa bem construída e com personagens dignos da complexidade do amadurecimento. A obra ganhou maior notoriedade ano passado, com o lançamento do filme homônimo, livremente inspirado nos quadrinhos. Dirigido por Abdellatif Kechiche e estrelado pelas excelentes Adèle Exarchopoulos e Léa Seydoux, o longa venceu a Palma de Outro do Festival de Cannes de 2013 e entrou em cartaz nos cinemas brasileiros em dezembro (veja crítica aqui).

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Clémentine é uma adolescente de seus 15 anos que leva uma vida comum, sai com os amigos, vai a escola, paquera e estuda. No entanto, lhe falta algo. Após iniciar um namoro com um jovem rapaz e não se sentir como deveria, a garota não se sente exatamente confortável. A narrativa da vida da personagem principal é contada por meio de textos escritos em seu diário, o leitor acompanha o passo a passo do desenrolar de Clémentine com a mulher que a cativou, Emma. Entre descobertas, tristezas e alegrias que essa relação pode trazer.

A angústia, incertezas e dúvidas da personagem são desenhadas e coloridas em tons cinzas e sem vida, quando a protagonista não consegue retribuir os sentimentos de seu namorado. As coisas mudam de figura quando Clémentine, num belo dia ao cruzar a rua, avista uma garota de cabelos e olhos azuis que lhe sorri. O uso das cores é bastante interessante, para pontuar essa mudança. Após o encontro com Emma o azul se destaca como uma cor vibrante, contraditoriamente “quente” como o título bem sugere, e não tristonho, gélido e frio como é representado na semiótica.

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A HQ retrata bem a adolescência, fase por si só complicada, as crises e problemas sem saídas simples e principalmente a insegurança no que diz respeito à sexualidade, o medo do preconceito da sociedade (e consigo mesma), as experimentações, o receio de ser diferente. É importante frisar que a história tem início nos anos noventa e segue por mais dez anos. Marroh ilustra de maneira muito sensível todo o inquietante universo juvenil.

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Porém, nem tudo são flores. Em alguns momentos da parte final, a HQ acelera seu ritmo (cadenciado na maioria das páginas) e pesa a mão ao carregar demais no drama, a ponto de soar melodramático. No entanto, a trama é sobre adolescentes, descobertas, decepções e problemas que parecem ser maiores do que de fato são, o que de certo modo se justifica. O filme encontra uma solução mais ponderada para o final da história, muito embora Julie Marroh tenha gritado a plenos pulmões mundo afora que detestou a adaptação para as telonas.

le-bleu-est-une-couleur-chaude-2Artisticamente o trabalho é muito bonito, o traço da quadrinista – aliado aos tons de aquarelas, guaches e outros materiais – reproduz bem o clima europeu, ao passo que é tradicional e sofisticado. “Azul é a Cor Mais Quente” foi lançada na França em 2010 e foi traduzido para o inglês, espanhol, alemão, italiano e holandês. Ganhou o Prêmio de Público do Festival Internacional de Angoulême 2011, dentre outros. A graphic novel foi escrita por Marroh quando ela tinha apenas dezenove anos. A autora, recém-saída da adolescência, teve propriedade para falar do tema e certamente deve ter passado por vários questionamentos como os de Clémentine. O “hype” tanto do filme quanto da HQ se justifica pela carência de estórias com temática gay, ainda que tanto o longa quando os quadrinhos tenham uma extrema qualidade, o frisón gira em torno da questão sexual da obra e não do seu conteúdo em si: a descoberta do amor em seu sentido amplo.

Uma das temáticas que mais me atrai em arte de um modo geral são as narrativas a partir de um ponto de vista pessoal, nesse sentido, “Azul é a Cor Mais Quente”, é uma obra extremamente bem desenvolvida e cativante. Compreendendo a temática ampla do enredo da história como amor, e este sendo um tema universal, inerente a todos o seres vivos, acredito que a obra seja de uma relevância humanística. A honestidade e a simplicidade errante adolescente é um momento compartilhado por todos, em algum momento, e também é o que fica: gente de carne osso, com problemas, inquietudes, que cresce, amadurece e ama.

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Leila de Melo
Uma míope quase sempre muito atrasada, cinéfila por opção, musicista fracassada e cronista das pequenas idiotices da vida. Pra sustentar suas divagações é jornalista, roteirista e fotógrafa.
Leila de Melo

Leila de Melo

Uma míope quase sempre muito atrasada, cinéfila por opção, musicista fracassada e cronista das pequenas idiotices da vida. Pra sustentar suas divagações é jornalista, roteirista e fotógrafa.

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