Quando um gênio do cinema resolve fazer um produto que é certificado por outro mestre dos argumentos televisivos, é compreensível que o conteúdo ou as circunstância não importem tanto: tudo o que o espectador quer é devorar o resultado e desvendar o que saiu de mentes tão criativas e admiradas. Foi exatamente assim que me senti quando vi os nomes do diretor Alfonso Cuarón (vencedor do Oscar de melhor direção deste ano por seu filme, Gravidade) e do produtor executivo J. J. Abrams em conjunto na chamada para a série “Believe”, lançada em março deste ano pelo canal americano NBC.

“Believe” conta a história de Bo (Johnny Sequoyah), uma menina órfã que tem poderes especiais de telecinese e telepatia. Na verdade, é até um pouco complicado definir os poderes de Bo, visto que, na série, eles ainda estão em descoberta e construção. Tudo o que sabemos é que Bo é uma garota especial e muito importante para várias instituições que pretendem usá-la como arma, para o bem ou para o mal. A série mistura cenas de ação em que são explorados os poderes de Bo com um pouco de drama, decorrentes de sua relação com o fugitivo da prisão William Tate (Jake McLaughlin), que descobrimos posteriormente ter um papel especial na vida da garota.
O principal desafio de Tate e Bo é se manterem longe do que é chamado de Orchestra, uma espécie de Instituto Xavier um projeto governamental coordenado por líderes mal intencionados que visa reunir jovens com dons especiais, tais como Bo, explorá-los e treiná-los. Contudo, o programa passa longe de ser o paraíso que é vendido para os jovens que se sentem deslocados por suas habilidades especiais.

O argumento de Believe é cuidadosamente pensado para ser uma série de sucesso ao nível de Alias, idealizada por J. J. Abrams e protagonizada por Jennifer Garner. Contudo, na tentativa de emocionar e envolver, o roteiro acaba utilizando muitas cartas similares e caindo, por várias vezes, no pecado na repetição. Um exercício que se pode fazer para constatar esse fato é adiantar os episódios (após assisti-los, é claro) sempre para os minutos finais. Na quase totalidades deles, as cenas e diálogos são bem parecidos, sempre pensados para encerrar o episódio em um clima de emotividade. O que deveria ser bonitinho, depois de um tempo, começa a dar sono.

Ainda sobre o roteiro, Believe consegue cometer erros onde mais acerta. Explico: os personagens são bem construídos e, ao longo dos episódios, o espectador vai podendo descobrir mais de cada um, de forma que sentimos a série enriquecer aos poucos. Contudo, em alguns momento, ela parece se perder em certas ações. Um exemplo que chega a incomodar é como tudo gira em torno de Bo. É inacreditável como uma garota de 10 anos consegue manipular tantas pessoas adultas. Basta bater o pé por dois ou três segundos e qualquer um na série (desde Tate até os vilões) faz o que a menina quer.
Não podemos negar, contudo, a sintonia do elenco, que tem competência e afinidade com a história. O destaque é para a pequena Johnny Sequoyah, que interpreta Bo Adams. Expressiva, a garota consegue dar vida à protagonista e sustenta a série com o profissionalismo de uma veterana. Johnny faz uma Bo cativante e mimada, que conquista personagens e espectadores.

O ponto mais forte é a direção de Alfonso Cuarón, que assina também, junto com Mark Friedman, o roteiro da obra. Cuarón nos presenteia com o que faz de melhor: tecnologia a favor de uma história bem pensada. O ritmo de “Believe” é envolvente e a câmera se mostra convidativa, não é à toa que assisti em menos de uma semana a todos os onze capítulos da série (e, acreditem, isso para mim é um recorde).
A frustração veio ao fim do décimo primeiro episódio, quando acontece um grande ponto de virada, que serviria como gancho para uma continuação que ainda teria muito a render. Mas o espectador tem que se contentar com a informação de que a série já foi cancelada antes mesmo do término da primeira temporada. Portanto, se você é do tipo que tem problemas com histórias inacabadas, melhor nem ceder à tentação de ver o primeiro episódio. Mas se, como eu, você não se importa em ler parte do livro de um grande autor que morreu antes de concluí-lo, ou ver uma série que foi degolada no momento da tomada de fôlego, apenas pelo exercício da apreciação, recomendo Believe, que na minha opinião foi uma dos melhores projetos lançados para TV nos últimos anos.

Jornalista, cinéfila incurável e escritora em formação. Típica escorpiana. Cearense natural e potiguar adotada. Apaixonada por cinema, literatura, música, arte e pessoas. Especialista em Cinema e mestranda em Estudos da Mídia (PPgEM/UFRN). É diretora deste site.