Woody Allen retorna às telonas com seu novo trabalho, Blue Jasmine, trazendo (pra variar) nomes de peso no elenco. Mas não é isso que faz de seu no longa um dos melhores de sua extensa filmografia, mas a crueza e sinceridade ao retratar uma faceta tão frívola da sociedade norte-americana de maneira tão intensa. Confesso que depois de “Você Vai Conhecer O Homem dos Seus Sonhos” e “Para Roma Com Amor” eu fiquei um tanto desconfiada sobre o novo longa de Allen. Após trailers que pouco me entusiasmaram, por fim, fui ao cinema. Um adendo: o filme estreou semana passada unicamente em um dos cinemas da capital potiguar, o Moviecom (Praia Shopping), e ainda permanecerá em cartaz por pelo menos mais uma semana. O Cinemark (Midway Mall) ainda não trouxe o filme às suas salas (que estão ocupadas com Jogos Vorazes: Em Chamas). Desconfio que, caso isso aconteça, será na ingrata sessão Cinecult, com apenas duas exibições semanais.
“Blue Jasmine” traz consigo aquele estilo “woodyaliano” que há tempos eu não via. O tom ferino e sarcástico, com uma Cate Blanchett inspirada em uma interpretação estupenda, pra usar o adjetivo mais apropriado. Jasmine (Blanchett) é uma dondoca da alta sociedade novaiorquina, casada com Hal (Alec Baldwin) um investidor bilionário, com um charme escorregadio. O casal vive uma vida de luxos, frivolidades, aparência e glamour. Tudo vai bem até que a fonte de dinheiro de Hal é desmascarada, sua fortuna é fruto de falcatruas e apropriação do dinheiro de pequenos investidores. As vidas do casal aparentemente perfeito então seguem caminhos impensados: ele é preso pelo FBI e ela vai pedir ajuda à irmã pobretona em São Francisco. O personagem de Baldwin lembra o caso de Bernard Madoff, o ex-presidente da Bolsa de Valores Nasdaq, que foi preso após descobrirem sua megafraude, US$ 65 bilhões, que atingiu cerca de 3 milhões de pessoas no mundo, uma das maiores já registradas na história.
Jasmine não quer se acostumar com a pobreza, com a mediocridade e a vida proletária que sua irmã Ginger (Sally Hawkins) leva. Ingrata, arrogante, amargurada e um tanto tresloucada, Jasmine não pede licença para se intrometer e apontar o dedo na vida de ninguém. Ela é uma ex-granfina que a todo custo tenta manter sua pose e reaver seu padrão de vida, porém, sem estudo e com poucos contatos na costa oeste norte-americana, fica a mercê da boa vontade de estranhos. Ginger é simples, divorciada e mãe de dois filhos. Está noiva de Chili (Bob Cannavale), um mecânico, bronco, mas que a ama imensamente. Com a chegada de Jasmine, as coisas mudam de figura.
Ginger é uma garçonete que vive feliz com o pouco que tem, se conforma com a sua condição financeira e toca sua vida com honestidade e simplicidade, ao menos até a chegada a irmã. Jasmine despeja sua repulsa e descontentamento com a vida que Ginger leva e a aconselha a ir em busca de alguém melhor, que a sustente. A partir dai, Chili e Ginger vão sofrer também com o exalar do perfume nada cheiroso de Jasmine, que é um misto de desespero e vaidade. Já a protagonista da trama, em um emprego pífio e com um chefe inconveniente, ao seu ver, consegue encontrar um homem rico, de “pedigree” que lhe dará os luxos e confortos de antes.
Cate Blanchett é uma daquelas atrizes tão envolventes que fascinam o espectador, seja em seu monólogo em “Elizabeth” (1999), seja em sua excelente releitura de Katharine Hepburn em “O Aviador” (2004), que lhe rendeu o Oscar de melhor atriz coadjuvante, ou ainda em suas aparições como a elfa Galadriel de “O Senhor dos Anéis” e “O Hobbit”, Blanchett é formidável. No entanto, como Jasmine, ela pôde mostrar sua faceta suja, descrente e mesquinha de uma maneira perturbadora. Indicações e premiações serão mais que justas. Falando em elenco, a alta performance não fica só a cargo da protagonista não. Bob Cannavale, a bola da vez de Hollywood, além das suas indicações ao Emmy por sua interpretação na série Boardwalk Empire, se sai muitíssimo bem como Chili. A atriz britânica Sally Hawkins faz tudo com um tom discreto, porém com grande qualidade, é daquelas coadjuvantes que se destacam e está presente em produções inglesas, como “Educação” (2009), “Não Me Abandone Jamais” (2010) e já trabalhou com Allen, em “O Sonho de Cassandra” (2008).
Embora seja uma grande admiradora do trabalho de Allen e tenha me divertido e adorado “Vicky, Cristina, Barcelona” (2008) e “Meia Noite em Paris” (2011), percebo que em “Blue Jasmine” tem um tom mais denso, com personagens mais duros, à la “Hannah e Suas Irmãs” (1986), porém bebe da leveza de seus novos trabalhos, e tem um quê malicioso que já foi visto em “Match Point” (2006). O filme tem toques de humor negro, não existem “pobres coitados”, nem a redenção ao remorso. Allen não tem uma visão humanizada ou melosa de seus personagens, pelo contrário, para construí-los, ele olha a realidade com frieza, indiferença e sátira, cuspindo as mazelas da alta sociedade plastificada de Nova York. Dura, porém verdadeira, a visão do diretor vai além dos maniqueísmos frequentes em Hollywood, talvez por isso ele seja um dos poucos que fazem um trabalho de qualidade, há tantos anos.
[…] são interpretadas pela experiente Cate Blanchett (vencedora do Oscar de melhor atriz de 2014 por Blue Jasmine), e pela bela Rooney Mara, que fazem Carol e Therese, […]