O poeta e documentarista potiguar Carito Cavalcanti lançou seu primeiro livro de poesia – um compilado de pérolas bem humoradas – ”Atestado de órbita” em 2012, pela editora Jovens Escribas. A tiragem de 300 exemplares esgotou e agora a editora aproveita a ocasião do Dia da Poesia para relançar a obra.

Carito é muito conhecido por seus poemas curtos e super engraçados. Ele conversou com O CHAPLIN sobre sua carreira e seu livro. De bônus vamos disponibilizar alguns poemas dele ao longo do texto. Confira:
O CHAPLIN: Como você começou a escrever poemas?
Eu era criança e estava esperando meu pai chegar do trabalho à noite. Era muito ligado a ele, e ele começou a ter umas reuniões de trabalho à noite – acho que eram reuniões da ABO (Associação Brasileira de Odontologia). Lembro uma noite que fiquei com muito sono e não aguentei esperá-lo. Então antes de dormir eu queria deixar algo pra ele. Algo que o esperasse por mim. Eu estava brincando com um papel e acabei formando algo como uma vela de barco. Então escrevi nessa vela de barco e deixei-a esperando por ele:
”Vela de barco é vela branca
Vela de luz é amarela
Pode dizer a qualquer vela
Que me mande uma pérola.”
Tenho esse como meu primeiro poema. Foi a forma que gerou o poema. Desde cedo minha poesia é provocada de várias formas.
Sempre escrevi. Nas histórias de quadrinhos que eu criava, em anotações, nas letras de música que eu já fazia no banheiro desde criança… Mas na adolescência isso se intensificou. Meus cadernos do colégio eram cheios de poemas que eu escrevia. Então comecei a ter cadernos só de poesia. Mas o poema que me fisgou, que me deu o bote, que eu disse “é isso”, foi “O Aniversário de GNI” – que acabou fazendo parte muitos anos depois, já na vida adulta, do primeiro CD d’Os Poetas Elétricos.
Um poema que fiz ainda muito jovem e até hoje acho que é um dos meus melhores poemas, que norteou meu fazer poético. Escute aqui um poema pra ser ouvido.

O CHAPLIN: Os seus poemas geralmente são curtinhos e bem humorados. Como é escrever esse tipo de verso?
Com o tempo fui me dedicando mais aos poemas curtos. Acho que foi Clotilde Tavares que me disse uma vez que em alguns situações um recorte em um poema pode funcionar melhor que o poema inteiro. Comecei a fazer isso em alguns poemas, intensificando meu processo laboratorial. E tomei gosto pela coisa. Pela síntese, pelo bote do poema! Às vezes escrevo um poema e não gosto, então deixo o danado ali anotado num pedaço de papel ou em um arquivo do computador. E às vezes acontece que depois de algum tempo eu vejo o poema e fica claro pra mim que o poema se resolve em uma parte dele. Ou às vezes eu mudo apenas alguma coisa, uma palavra, ou mudo algo de lugar. E às vezes não acontece nada mesmo: leio, releio, mexo, remexo e nada! Existem poemas assim até hoje. Guardados. Mas o exercício diário de escrever poemas curtos criou uma espécie de endorfina mental nesse sentido. Fiquei mais afiado, tipo:
”sabe por que o desejo corta?
porque a carne é
faca.”
Embora eu tenha me afastado do purismo, embora eu tenha desenvolvido o desapego, sendo mais transpiração que inspiração, eu escrevo muitas poemas de primeira. Penso e de repente é isso! Já foi! Quando é assim eu sinto que não preciso mexer em nada. Quanto ao humor, ele sempre me acompanhou, desde a minha trajetória de cantor e letrista de banda de rock, com o uso da ironia, da sátira, da crítica social. Com a liberdade poética faço uso do que eu quiser, às vezes faço poema-pílula, poema-frase, poema-piada, muitas vezes faço uso do lugar comum, do que está no insconsciente coletivo, transcriando ditados, fazendo neologismos, aliterações e trocadilhos, em um jogo de humor, brincando com as palavras. Usando uma expressão de Manoel de Barros, acho que eu procuro o “criançamento da palavra”. E nesse estado lúdico, o humor aflora em várias vertentes. Há um poema no “Atestado de Órbita” que sintetiza esse pensamento:
”Uso o riso
Para reflexões graves
A palavra navalha
Gargalha.”

O CHAPLIN: E falando de processo criativo? Algumas situações que te inspiram…
Outro dia estava zapeando a tv e vi uma entrevista com Affonso Romano de Sant’anna – a entrevista dele me emocionou muito e me inspirou a fazer esse poema:
A solidão, o amor, a morte
Uma temática eterna
O amor foi o primeiro
Que me passou a perna.
Certa noite, tentando dormir, li algo sobre quando a vida nos prega peças, e escutei, ou quis escutar “pressas” em vez de “peças”, e pensando nas pressas da vida, escrevi:
”A mente
Nos prega
Pressas.”
Pode se aplicar a muitas coisas, mas partiu de uma crítica social para esses tempos contemporâneos, quando lembrei de um video de um casal dando toques sobre relacionamento, e o cara alertando os homens que nas relações sexuais vão logo para os “finalmentes” e às vezes não conseguem…
Sobre isso eu já tinha feito outro poema:
”AMOR
Se fez com pressa
Se faz compressa.”
Escutar as palavras de outro jeito, buscar novos sentidos para as palavras, fazer com que umas palavras conversem com outras, estar aberto a várias possibilidades… São alguns caminhos do meu fazer poético.
O CHAPLIN: Quais poetas que mais influenciam na sua escrita?
Os poetas da geração marginal foram muito importantes porque eles me respaldaram… (Risos).Sofri muito “bullying poético”(Risos)… Então quando conheci a poesia de Leminski e li o poema “Ameixas / Amei-as ou deixe-as” eu pensei “eu faço essas coisas”! E isso me estimulou para seguir adiante. Chacal, Leminski, Francisco Alvim… Também tenho um poema que fala sobre isso:
”um dia na vida
a palavra cerzida
a poesia marginal
tomou conta de mim
não por acaso
mas por cacaso
ana cristina, chacal
e francisco alvim.”
O CHAPLIN: E livro novo, vem vindo por aí?
Sim. Vai ser em parceria com Flávio Freitas que vai fazer as ilustrações. Vai ser bacana. Estou muito feliz com esse novo projeto. Deus no céu e Fialho na terra. Jovens Escribas na cabeça!
SERVIÇO
Relançamento do livro ”Atestado de Órbita”, de Carito Cavalcanti
Dia 12/03, quinta
A partir das 19h
No SESC Cidade Alta (R. Cel. Bezerra, 33)
Poeta, estudante de Multimídia, formada no curso FIC de Roteiro e Narrativa Cinematográfica pelo IFRN, apaixonada por História da Arte e fotografia.