Brilhantes atuações indicam um filme – assim como todos os demais elementos que o compõe – com a mesma perspectiva? Nem sempre. Nas últimas 13 edições do Oscar, foram poucas as vezes em que houve “casadinha” das categorias de melhor ator/atriz com a de melhor filme. Se no próximo domingo (02/03), a Academia se pautar pelo “Globo de Ouro”, entregue em janeiro, 2014 será mais um ano em que a combinação não ocorrerá.
Se você ainda não percebeu de que filme e de que ator se trata, segue a resposta: estamos falando de Matthew McConaughey, que interpreta o protagonista do drama biográfico “Clube de Compra Dallas” (Dallas Buyers Club, 2013). Neste caso, as previsões para que o ator norte-americano leve a estatueta para casa são as máximas possíveis. Quanto às chances de o filme ganhar a principal categoria, ao contrário, são mínimas. E o motivo para isso não é pelo fato de que, neste ano, os concorrentes ao Oscar de melhor filme sejam mais glamourosos, tais como “12 years a Slave”, “Gravidade” e “Ela”. Mas sim porque “Clube de Compra Dallas” é um filme morno em si mesmo.
Para a compreensão dessa opinião, é importante a leitura da sinopse. O filme se passa em meados da década de 80, quando a AIDS havia se tornado uma pandemia ligada à comunidade homossexual. É nesse contexto que o eletricista (e eventual cowboy) Ron Woodroof é diagnosticado com o vírus da AIDS. Quem mais se surpreende com o diagnóstico, entretanto, é o próprio Woodroof, que se autodefine como “viciado em mulher”. Como ele não passava de um típico machista do Texas viciado em cocaína, ele não entendia como havia sido infectado com a “doença de viado”.
Assim que se conscientiza que realmente estava doente, o eletricista não aceita ter que esperar na fila por um tratamento com o AZT (o único remédio usado, na época) e encontra um jeito de comprar ilegalmente a droga estocada no hospital onde trabalha a Dra. Eve Saks (Jennifer Garner). Quando esse método para de funcionar – e o tempo de vida dado pelos médicos se aproxima do fim – a única saída, literalmente, de Woodroof é fugir para o México.
Lá, encontra um outro doutor, que lhe revela que o AZT deve ser combinado a outros medicamentos – ainda não aprovados nos EUA – assim como a uma dieta especial para reforçar a imunidade. Vislumbrando uma forma de negócio bem lucrativa, ele logo se torna um traficante, fornecendo a mesma combinação para outros soropositivos a um valor mensal de 400 dólares. Aos poucos, Woodroof começa a superar a homofobia e se associa ao travesti Rayon (Jared Leto), transformando um quarto de hotel no headquarter do empreendimento. O sucesso é imediato, o que demonstra as proporções endêmicas que a AIDS estava tomando naquela época.
Para dar vida a dois soropositivos, de magreza chocante, na fase mais tenebrosa do HIV, Matthew McConaughey e Jared Leto tiveram de fazer uma adaptação acentuada. McConaughey, ator de físico invejável que se estabeleceu como rei das comédias românticas, perdeu mais de 20kg para o papel. Leto, acostumado a interpretar personagens que exigem grandes transformações, (“Requiem for a Dream” e “Chapter 27”), dessa vez perdeu 13 kg. Mas a atuação de ambos evidencia uma entrega que vai além das mudanças físicas.
Os atores compreenderam o âmago de seus personagens. McConaughey reproduz fielmente o espírito perspicaz – e até carismático – do eletricista texano que, mesmo acometido por uma horrível síndrome, tem ânsia por viver. Já o ator e vocalista do “30 seconds to Mars” torna verossímil uma travesti que, para ser engraçada, não precisa ser necessariamente tresloucada. Mas, retirando da análise a primorosa atuação desses atores, o que sobra para justificar a indicação do longa às demais indicações (melhor filme, melhor roteiro original e melhor edição)?
Nada. Em linhas gerais, “Dallas Buyers Club” é um filme sobre um mocinho de atitudes rebeldes. Esse tipo de personagem não é nada mais do que um simples clichê do americano. Ainda mais quando o papel está imbuído por um símbolo – o cowboy – que luta pela “liberdade”, nesse caso, de tomar o remédio que lhe achar conveniente. Além disso, esse esforço não ficava restrito apenas a ele: ao combater a burocracia que, nesse contexto, aparentava ser injusta e desproporcional, Woodroof também tentava prolongar a vida de doentes, desde que os contribuintes pagassem a quantia certa na data certa. Para resumir esse parágrafo, pode-se utilizar as seguintes expressões: dinheiro, liberdade e aversão ao Estado. Há aspectos mais americanos e neoliberais do que os reunidos no significado delas três? Acho que não.
Contudo, até que o espectador perceba todos os aspectos presentes da ideologia americana, o filme percorre um longo caminho. Eis mais um defeito de “Clube de Compra Dallas”: uma edição simplória deixa a segunda metade do longa extremamente pragmática. Nesse ponto, concordo com a crítica de Érico Borgo, do portal Omelete, a qual sugere que “um roteiro mais amplo, que explorasse outros aspectos das vidas dessas pessoas, certamente teriam favorecido o filme”. Para reforçar a pragmatismo da obra, vale recorrer ao realismo: noticiários de verdade da época aparecem, principalmente na televisão da casa da Dra. Eve Saks. Ainda nesse sentido, a direção de Jean-Marc Vallée recria a desinformação sobre a AIDS durante a década de 1980. Por exemplo, o filme mostra os médicos – apavorados por trás de máscaras e luvas – afirmarem categoricamente que, em se tratando das relações sexuais, a AIDS era transmitida exclusivamente por sexo homossexual.
Perceber que evoluímos no esclarecimento da doença e que, para parcela significativa da sociedade, a visão dos gays como grupo de risco caiu por terra é um alento para o espectador. Juntamente com as melhores interpretações da carreira de Matthew McConaughey e Jared Leto, esta é a primazia de “Clube de Compra Dallas”. E só.
Sagitariano carioca que mora em Natal. Jornalista formado pela UFRJ e UFRN. Apaixonado por cinema, praia e viagens.
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