De Angeli a Ziraldo: O cartum no Brasil

O cartum surgiu no final do século XVIII, mas só veio a se tornar popular após o artista francês Honoré Daumier ter começado a fazer caricaturas e desenhos, nos quais ele fazia críticas políticas. Em 1841, foi lançada a revista britânica Punch, que fez com que os cartuns estourassem através do mundo (confira nesse site alguns cartuns que foram publicados na revista).

Gargântua, de Honoré Daumier, que ridicularizava o rei Luís Filipe.
Gargântua, de Honoré Daumier, que ridicularizava o rei Luís Filipe.

No Brasil, os primeiros cartuns foram feitos por Angelo Agostini (italiano, radicado no Brasil desde os 16 anos), que, em 1864, fundou, ao lado do escritor Luís Gama (um dos maiores escritores romancistas brasileiro), o primeiro jornal ilustrado publicado em São Paulo, o “Diabo Roxo”. Os dois também trabalharam juntos no periódico “Cabrião”, que criticava constantemente as elites escravocratas, o Império e o clero.

Agostini também publicou, em 30 de Janeiro de 1869, a primeira história em quadrinhos brasileira: “As Aventuras de Nhô Quim ou Impressões de Uma Viagem à Corte” – que tratava da história de um caipira na cidade do Rio de Janeiro. A data da estreia foi escolhida para comemora-se o Dia do Quadrinho Brasileiro.

A revista “O Tico-Tico” (a primeira no Brasil a publicar quadrinhos) foi responsável pela descoberta de vários cartunistas nacionais, como Max Yantok (criador do personagem Kaximbow) e J. Carlos (criador do personagem Lamparina). A “O Tico-Tico” esteve ativa de 1905 a 1977.

Primeira edição da revista "O Tico-Tico".
Primeira edição da revista “O Tico-Tico”.

Em 1928, foi lançada no Rio de Janeiro, a revista semanal “O Cruzeiro”, que trouxe grandes inovações para a impressa brasileira, como o fotojornalismo e a grandes produções gráficas. Além disso, a revista foi responsável por publicar “O Amigo da Onça”, do cartunista Péricles. Devido ao sucesso do personagem, a expressão “amiga da onça” ficou popular, sendo usada até os dias atuais. O sucesso, entretanto, não agradou ao criador, que passou a odiar o personagem, e acabou cometendo suicídio em 1961. Carlos Drummond de Andrade disse sobre a morte de Péricles: “A solidão do caricaturista seria talvez reação contra a personagem, que o perseguia, que lhe era necessária e que lhe travara os meios de comunicar-se e comungar com outros seres“.

Amigo da Onça, por Péricles.
Amigo da Onça, por Péricles.

Outro grande cartunista que fez parte da equipe d’O Cruzeiro foi Ziraldo, que é considerado um dos grandes expoentes do cartum, das charges e dos quadrinhos brasileiros. Ziraldo deu vida a personagens como Jeremias, o Bom; a Supermãe e o Mirinho. Ainda na revista O Cruzeiro, o artista criou os cartuns da “Turma do Pererê”, que posteriormente veio a se tornar a primeira revista em quadrinhos brasileira totalmente colorida.

No final da década de sessenta, Ziraldo, ao lado de Sérgio Cabral, Tarso de Castro, Luiz Carlos Maciel e Jaguar, fundaram o famigerado semanário “O Pasquim”, que assumia uma posição opositora ao regime militar e que falava sobre temas polêmicos para a época, como feminismo, drogas e sexo.

Jaguar sugeriu que o nome fosse “O Pasquim”, que significa “jornal ou panfleto difamador e calunioso”. Segundo ele, dessa forma, os críticos teriam que inventar outros nomes para falar mal o jornal. O cartunista também foi o criador do ratinho Sig, que acabou se tornando símbolo do tabloide. O nome vem de Sigmund Freud, e foi tirado de uma expressão da época que dizia que “se Deus havia criado o sexo, Freud criou a sacanagem“.

Em novembro de 1970 a redação inteira do O Pasquim foi presa depois que o jornal publicou uma sátira do célebre quadro de Dom Pedro às margens do Ipiranga.
Em novembro de 1970 a redação inteira do O Pasquim foi presa depois que o jornal publicou uma sátira do célebre quadro de Dom Pedro às margens do Ipiranga.

Outro membro importante d’O Pasquim foi Henfil, que fez cartuns polêmicos durante o regime militar no Brasil. Em sua série de cartuns “O Cemitério dos Mortos-Vivos”, Henfil fazia fortes críticas à personalidades que eram, ao seu ver, simpatizantes da ditadura. Dentre as pessoas que o artista enterrou em seus desenhos, destacam-se Roberto Carlos, Elis Regina, Pelé e Tarcísio Meira. O desenhista continuou fazendo cartuns até a sua morte, em 1988, tendo criado personagens populares como Graúna, Zeferino e Ubaldo, o paranoico.

Los 3 Amigos
Los Três Amigos

Entre o final da década de oitenta e o inicio da década de noventa, o cartum e as charges chegaram ao seu auge no Brasil. O surgimento da revista “Chiclete com Banana”, popularizou nomes como Angeli – Dono de um humor anárquico, Angeli criou personagens como Meia Oito e Nanico, Rê Bordosa, Luke e Tantra, Wood & Stock, entre outros; Laerte Coutinho – Que gerou personagens como Piratas do Tietê, Muriel/Hugo, Overman, Deus, entre outros; Glauco Villas Boas – dono de um humor ácido, e de traços marcantes, criou os personagens Geraldão e Geraldinho.

Angeli, Glauco e Laerte, são considerados por muitos, a santíssima trindade dos quadrinhos brasileiros. Juntos eles criaram a série de tiras “Los tres amigos” (Angeli se inspirou no filme “¡Three Amigos!”, de John Landis), que tinha como personagens principais, os bandoleiros Angel Villa, Laertón e Glauquito. Adão Iturrusgarai também fez grandes contribuições para a série.

Cartum publicado após a morte de Glauco.
Cartum publicado após a morte de Glauco.

Atualmente, devido às facilidades do mundo virtual, existem muitos cartunistas espalhados pelo Brasil e pelo mundo. E por mais que o mundo se torne cada vez mais avançado, o cartum é e continuará sendo um dos meios mais interessantes, não somente de entretenimento e diversão, mas também de crítica e informação.

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Myqueas Bruce Wyllys
Myqueas Bruce Wyllys (e isso dispensa apelidos) gosta de cinema, música e literatura. Um bardo com o coração divido entre Hitchcock, Kubrick e Chaplin, que tem um otimismo um tanto pessimista, causado por leitura excessiva de Charles Dickens e possui interesse por tudo e por todos. Nas horas vagas, gosta de ver filmes, convencer amigos a verem filmes e debater filmes.
Myqueas Bruce Wyllys

Myqueas Bruce Wyllys

Myqueas Bruce Wyllys (e isso dispensa apelidos) gosta de cinema, música e literatura. Um bardo com o coração divido entre Hitchcock, Kubrick e Chaplin, que tem um otimismo um tanto pessimista, causado por leitura excessiva de Charles Dickens e possui interesse por tudo e por todos. Nas horas vagas, gosta de ver filmes, convencer amigos a verem filmes e debater filmes.

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