O novo livro de Ana Paula Maia, De gados e homens (Record, 2013), não é só uma amostra da evolução da escritora carioca na sua prosa sobre a violência: é um expoente de uma tendência literária tipicamente brasileira e contemporânea com influência do gótico, mostrando o macabro como acontecimentos banais do cotidiano do país.
Obras recentes dessa safra de escritores, como A tristeza extraordinária do Leopardo-das-Neves, de Joca Reiners Terron; Nossos Ossos, de Marcelino Freire; e A passagem tensa dos corpos, de Carlos de Brito e Mello, são exemplos desta nova tonalidade da cena – na qual se inclui De gados e homens.
Chama atenção como Ana Paula foge do clichê de escritoras fechadas nos temas sobre a sensibilidade feminina. Em seus livros, e reforçando este mais novo, ela cria um ambiente impiedoso, masculino: a rotina de homens rudes que trabalham num matadouro, com detalhes sobre a dinâmica deste. E é sob o olhar de um personagem já conhecido de seus livros anteriores, Edgar Wilson, que observa-se uma mudança nesta rotina, causada por acontecimentos incomuns, beirando o fantástico, aprofundando o desenrolar da história.
Edgar Wilson, centro da trama, é o atordoador de um matadouro, ou seja, o homem que deixa os animais desacordados antes deles partirem para a etapa posterior, com um golpe certeiro de marreta entre os olhos do gado, num gesto piedoso que mais parece uma benção de um padre. Edgar é sensível à dor animal – mais que a dos homens. “Não sente orgulho do trabalho que executa, mas se alguém deve fazê-lo que seja ele, que tem piedade dos irracionais”, descreve.
A trama nos toma de assalto, de modo que é difícil não ler as 128 páginas do livro de uma vez só. E apesar de um excesso de didatismo na narrativa aqui e um pieguismo destoante acolá, De gados e homens é uma das melhores leituras de 2013, tendo como destaque a linguagem bem construída e envolvente sobre a degradação dos valores humanos e personagens que deixam sua marca.
A foto de orelha da autora do livro a mostra segurando um crânio agigantado de um boi. A imagem por si já é enigmática e oferece ao leitor o tom do livro. A forma como aqui se trata a violência, bebendo na fonte do horror, acima da crítica social simplista e do proselitismo, vai ganhando solidez no atual cenário literário brasileiro. Como escreveu Cormac McCarthy (o mestre da prosa sangrenta) em The Counselor, sua obra mais recente: “O abate por vir é maior do que podemos imaginar”. Aguardemos.
Colunista de Literatura. Autor do livro de contos “Virando Cachorro a Grito”(2013). Vive pela ficção e espera no futuro poder viver dela.