Estava eu naquela tarde de sábado, entrando em um dos cinemas de rua mais encantadores do Rio de Janeiro, para assistir ao filme Elsa e Fred (versão americana do filme argentino de mesmo nome lançando em 2005), que estava em cartaz no Festival do Rio deste ano. Confesso que, a princípio, fui atraída pelos dois nomes principais no elenco: Shirley MacLaine e Christopher Plummer, dois atores maduros no auge de seu brilho. Quando se tem um currículo como os deles e talento mundialmente reconhecido, há pouca coisa que se possa ensinar a esses dois gênios.
Sinto que é nesse momento da carreira que é permitido ligar o “foda-se” e fazer filmes amenos, comédias românticas medianas, pontas em filmes de fantasia e papéis clichês em filmes de ação sem a ameaça de serem julgados. Afinal, ninguém vai chamá-los de “decadentes”, mas referenciar o respeito que determinado nome concede à obra em questão. Quando comprei o bilhete para Elsa e Fred, tudo o que conseguia pensar era “na pior das hipóteses, verei um show de atuação”. Sorte a minha, passei bem longe da pior das hipóteses.
Elsa é uma senhora de setenta e poucos anos, sonhadora, dinâmica, vaidosa e apaixonada. Durante toda a vida, desejou um amor em preto e branco, como aqueles dos filmes de Fellini. Elsa faz de tudo para tornar a vida mais empolgante, interessante e envolvente, mesmo que isso acarrete forjar alguns inofensivos aspectos dela. Fred, por sua vez, é um viúvo mal humorado. Vê pouca graça em fazer qualquer coisa que envolva sair de casa ou levantar-se da sua cama. Por trás da expressão carrancuda, Fred deseja ser feliz e, sobretudo, ser surpreendido. Mas desacreditado da vida, ele acredita que, aos 80 anos, nada mais conseguirá fazê-lo. Até Elsa, imprevisível e apaixonante, surgir no apartamento ao lado.
Elsa e Fred me emocionou. Não só por ser uma história de um amor, mas por negar o clichê quando coloca no papel dos adolescentes apaixonados, dois idosos. O filme consegue emocionar e fazer rir ao mesmo tempo (literalmente, com riso e lágrimas simultâneas) no primeiro beijo, o primeiro jantar, o primeiro passeio, o encontro de família, e a primeira vez que o casal dorme juntos. O auge, contudo, é a encenação de uma das cenas mais famosas de Fellini, ao fim do filme, quando Elsa transforma-se em Anita Ekberg e Fred em uma versão madura de Marcello Mastroianni. Uma homenagem à terceira idade, à vida, ao cinema e ao amor.
Acredito que eu era a pessoa mais jovem naquela sessão. A maioria do público era composto por idosos, casais ou senhoras desacompanhadas. Ao meu lado, um senhor levantava-se a cada quinze minutos para ir ao banheiro. De outro lado, uma senhora sorria e chorava a cada descoberta dos enamorados. Ao fim da sessão, palmas foram ouvidas, e eu compartilhei delas, ainda que não houvesse nenhum diretor, roteirista, ou ator presentes. Para quem eram as palmas, afinal? Acredito que para a possibilidade de ser linda e viva como Elsa além dos setenta anos, ou de se apaixonar pela primeira vez, como Fred, mesmo com as críticas sociais e a desaprovação da família.
Ao sair do cinema, ainda quis oferecer ajuda para uma senhora que descia as escadas. Mas ela parecia tão inspirada por Elsa que preferi observar de longe a sua expressão de autosuficiência ao descer sozinha cada degrau. Aplausos para as pessoas e para o cinema, que continua alimentando os sonhos e as mudanças de realidade.
Jornalista, cinéfila incurável e escritora em formação. Típica escorpiana. Cearense natural e potiguar adotada. Apaixonada por cinema, literatura, música, arte e pessoas. Especialista em Cinema e mestranda em Estudos da Mídia (PPgEM/UFRN). É diretora deste site.