“Ender’s Game – O Jogo do Exterminador” tem bom argumento mas peca em seu desenvolvimento

Devo admitir que meu primeiro estímulo para assistir a “Ender’s Game – O Jogo do Exterminador”, filme de ficção científica com jovens protagonistas lançado recentemente nas salas de cinema brasileiras, foi a presença de uma das minhas atrizes favoritas da nova geração, Hailee Steinfeld, que marcou seu nome na história do cinema aos 14 anos quando interpretou, em seu primeiro trabalho para o cinema, uma jovem e determinada garota no filme Bravura Indômita (2010), dos irmãos Coen, e pelo papel recebeu uma indicação ao Oscar. Poderia ter sido apenas uma cicatriz, mas a jovem atriz tem se mostrado determinada a aprofundar a impressão deixada, participando sempre de forma competente de outros filmes. Apenas um deles, contudo, chegou aos cinemas da capital potiguar: “Ender’s Game”, onde a atriz interpreta Petra Arkanian, uma adolescente com inteligência acima da média e que é recrutada para lutar em uma batalha entre humanos e os antagonistas da história, os Formics, sobre os quais pouco sabemos, com exceção de que parecem uma cruza de formigas e abelhas gigantes.

enders-game

Apesar do meu chamego pela garota Steinfeld, não é ela a protagonista do filme, mas Asa Butterfield, que interpreta Andrew “Ender” Wiggin, um jovem adolescente tímido, mas bastante estrategista e brilhante, que parece ser predestinado a  comandar o exército espacial que batalhará contra os “abelhudos”, como também são chamados os Formics. “Ender’s Game” é uma adaptação do romance literário de mesmo nome, escrito pelo controverso Orson Scott Card. O roteiro, contudo, não foi assinado pelo autor, para que a produção não corresse o risco de sofrer os mesmos ataques que a obra de Card, devido a suas posições nem um pouco discretas contra a luta pelos direitos dos homossexuais.

Situando o leitor, Card é assumidamente um militante contrário aos direitos civis dos gays e explora isso, sem qualquer hesitação, em sua obra. Não é a toa que algumas mudanças e cortes foram necessárias no processo de adaptação. O diretor do filme, Gavin Hood, também assinou o roteiro e tomou as devidas precauções. Por exemplo: no livro, os “Formics” têm como nome principal “buggers”, um termo pejorativo para referir-se aos gays. Também há, no livro, uma situação em que Ender envia pelo sistema de mensagens da escola um comentário desagradável insinuando que um colega (Bernard, um dos personagens também do filme) era gay. A mensagem de resposta (aparentemente vinda de Bernard) diz: “Eu amo o seu bumbum, me deixe beijá-lo”. Na situação, Bernard é o antagonista e Ender é o “mocinho”, logicamente as ações de Bernard serão vistas como erradas e os leitores torcerão por Ender. Nada disso, contudo, é representado na obra cinematográfica de Gavin Hood.

Hailee Steinfeld e Asa Buttlefield em cena de "Ender's Game"
Hailee Steinfeld e Asa Buttlefield em cena de “Ender’s Game”

Se por um lado o diretor e roteirista foi sensato, por outro deixou de sê-lo. Os cortes e a preocupação com o politicamente correto comprometeram a história em sua adaptação para o cinema, que foi pouco desenvolvida. Conhecemos relativamente bem o personagem principal, Ender, mas cria-se um clima excessivo de mistério que não se justifica no final da trama. Durante todo o filme, jovens são preparados na Escola de Combate (uma base de treinos locada no espaço, como uma espécie de satélite da Terra) para a grande batalha, que dura pouco tempo e cujas possibilidades são pouco aproveitadas. A impressão que fica é que o roteiro quis vender gato por lebre.

As cenas de ação como um todo poderiam ser melhor, mas a falha da batalha final é tanta que, em algumas vezes, os momentos de treinamento se tornam mais empolgantes. A cena lembra um pouco um videogame, não a ação da tela, mas a parte enfadonha de controlar os comandos. Colabora para essa característica o fato de que os antagonistas, os Formics, não são bem explicados. O princípio que norteia a relação com os “abelhudos” é o do ódio pelo ódio. Sabemos que em algum momento houve uma invasão, e sabemos também que os humanos desejam revidar, mas nada é profundamente explicado. Termina o filme e não fomos capazes de criar qualquer sentimento por eles: seja a antipatia natural que se sente pelo inimigo, ou uma simpatia inesperada. Conhecemos pouco dos Formics, mas ao que parece, o protagonista do filme também não os conhece muito bem, explicando o final incerto e pouco previsível do longa, que lembra em muito o conceito da cena final do filme “Prometheus” (Ridley Scott, 2012). O leitor vai me desculpar, mas explicar essa relação implicaria em spoiler, o que o senso ético me impede de dar. O que posso dizer é que o filme pega o espectador desprevenido, dando margem a uma provável outra produção que continuará a saga de Ender.

Asa Butterfield com Harrison Ford
Asa Butterfield com Harrison Ford

Roteiro problemático a parte, temos alguns acertos a serem comentados em “Ender’s Game”. O mais notável deles é sem dúvidas a atuação dos adolescentes que protagonizam a trama. Asa Butterfield até hoje não provou ser um excelente ator, mas sua apatia até funciona com o tímido e contido Ender. Abigail Breslin, que interpreta a irmã de Ender, Valentine, apesar dos poucos momentos em que aparece, não decepciona. Hailee Steinfeld dispensa comentários, embora nesse filme ela ganhe o público muito mais pelo carisma que pela atuação, já que sua personagem não exige muito. O restante do elenco juvenil é formado por jovens novatos e um punhado do elenco da Disney, todos estão coerentes em suas performances.

Dentre os veteranos, podemos destacar Viola Davis, como a major Anderson; Harrison Ford, como o mentor Coronel Graff; e Ben Kingsley, como a lenda Mazer Rackham, antigo combatente em quem Ender deve se inspirar para a nobre função de salvar a Terra do ataque dos Formics. Todos se apresentam em atuações coerentes com seus nomes e currículos. Por falar em Harrison Ford, a última vez que esteve no espaço foi como Han Solo, personagem da franquia Star Wars e vê-lo agora em um filme duvidoso como um pífio major é bem triste.

Abigail Breslin interpreta Valentine, irmã de Ender (Asa)
Abigail Breslin interpreta Valentine, irmã de Ender (Asa)

Outro aspecto a ser admirado é a fotografia que, em parceria com os cenários e efeitos de computação gráfica, dão um ar futurista e interessante ao filme e em certos momentos lembram o jogo “Final Fantasy”. A montagem é dinâmica, mas nem mesmo isso torna o roteiro mais empolgante.

Apesar de todos os esforços técnicos e de ter como protagonistas jovens atores, o que por si só já se faz um atrativo, Ender’s Game não empolga e nem causa empatia. A história parece uma espécie de sci-fi que você tem certeza que já viu ou leu em algum outro lugar, embora nunca tenha tido em mãos um exemplar do livro de Orson Scott Card. Se a intenção é mesmo criar uma franquia, o primeiro passo deixou em muito a desejar. Será difícil para os produtores convencerem depois de uma fraca primeira aventura.

Ender é o comandante de uma missão que visa destruir os "Formics"
Ender é o comandante de uma missão que visa destruir os “Formics”

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Andressa Vieira
Jornalista, cinéfila incurável e escritora em formação. Típica escorpiana. Cearense natural e potiguar adotada. Apaixonada por cinema, literatura, música, arte e pessoas. Especialista em Cinema e mestranda em Estudos da Mídia (PPgEM/UFRN). É diretora deste site.
Andressa Vieira

Andressa Vieira

Jornalista, cinéfila incurável e escritora em formação. Típica escorpiana. Cearense natural e potiguar adotada. Apaixonada por cinema, literatura, música, arte e pessoas. Especialista em Cinema e mestranda em Estudos da Mídia (PPgEM/UFRN). É diretora deste site.

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