Obituário de uma mídia social

O Orkut será desativado neste dia 30 de setembro e vamos dar adeus à primeira mídia social que os brasileiros tomaram conta, eram mais de 30 milhões de pessoas a acessando. Como assim? O site foi criado para que o mundo inteiro se comunicasse. Entretanto,  apareceram tantos usuários do Brasil, que muitos diziam que o local foi tomado pelos brazucas que para fazer aquela “zoeira” que lhes fizeram ficar conhecidos pela internet. Quem foi adolescente na década de 2000, sabe muito bem do que estou falando.

Também marcou o período de inclusão digital, onde o computador começou a ficar um pouco mais barato, início da queda da internet discada e gente de todas as classes sociais poderiam interagir sem nenhum constrangimento. Muitos diziam que o acessava primeiro para depois entrar no MSN, programa de mensagem instantânea (antepassado do Whatsapp) extinto em 2012, quando foi incorporado pelo Skype. O Orkut foi criada por um turco com mesmo nome, com o sobrenome Büyükkökten , funcionário do Google, em 2004.

Primeira interface do Orkut, vocês lembram?
Primeira interface do Orkut, vocês lembram?

Em um comunicado feito no dia 30 de junho deste ano, o Google anunciou que não vai permitir a entrada de novos usuários e que o site de relacionamentos seria desativado em dois meses. Além disso, as comunidades serão mantidas em um arquivo público. Após o encerramento, os nomes de domínio do Orkut voltariam a ser administrados por  Büyükkökten. Se você não quer perder os dados, basta acessar aqui.

Para fazer o Orkut, no começo, você precisava ser convidado por outra pessoa que tinha o perfil no site.  Aí surgia o primeiro obstáculo, tinha que ser maior de 18 anos. Alguns chegaram a mentir a idade para poder acessá-lo. Depois, você colocava a foto mais bonita, fazia sua descrição (casadx, solteirx, o que gosta, livro favorito…) e, por último, adicionava os amigos.

Eles tinham que lhe aceitar e poderiam definir se você era sexy (marcado por um coração), legal (cubo de gelo) e confiável (carinha amarela). O resultado ficava abaixo do teu nome no perfil. Era ali que qualquer pessoa poderia ser considerada 100% sexy.

legenda
Estes eram os símbolos que ficavam abaixo do seu nome do perfil

As comunidades (podiam ser chamada carinhosamente de “comus”) eram uma das ferramentas mais conhecidas, a parte mais divertida da rede. Na teoria funcionava da seguinte forma: o perfil deveria acessar a parte de comunidades, criada por um outro usuário. Se identificou? Entrava. Também poderia criar uma, se tivesse vontade. Esta funcionava como um grande chat, onde discutiam diversos assuntos e, de vez em quando, geravam confusão, quando alguns fakes (perfis falsos) apareciam para fazer a algazarra.

Quando não era levada a sério, os temas das conversas que mais saiam eram “Beija ou Passa”, “Aumenta ou Abaixa o Volume” ou “Passe o MSN”. Porém, muitos conseguiram fazer amizade e até arranjar um namorado/marido por causa dessas comunidades.  Por exemplo, eu fiz muitas amizades por conta das comunidades de bandas de rock e heavy metal e mantenho contatos até hoje.

Alguns administradores ficaram tão conhecidos por sua criatividade em fazer comunidades bizarras que depois viraram webcelebridades, a exemplo do Maurício Cid, blogueiro do Não Salvo. Recentemente, ele participou de um vídeo promovido pela pastilha Halls, que juntou com outros donos que realizaram alguns desejos. Veja aqui, ficou bem legal e criativo.

http://www.youtube.com/watch?v=TuZgVv20ec0

A seguir vamos mostrar algumas comus que tinham por lá. Existia fóruns como “Eu Odeio Acordar Cedo”, “Não fui eu, Foi meu eu-lírico”, “Sou Legal e Não Estou Te Dando Mole” (destinado para vítimas de pessoas que acham que você está o xavecando por ser educada), “Seu Madruga With Lasers”, “Anão Veste de Palhaço Mata 8” (sátira dos títulos de notícias bizarras), “Queria Sorvete Mas Era Feijão” e dentre outras coisas loucas.

comunidade 1
Estas eram algumas comunidades existentes do Orkut (Part 1)
comunidade 2
Estas eram algumas comunidades existentes do Orkut (Part 2)

Outra ferramenta conhecida eram os scrapts ou recados. Era uma seção destinada para uma pessoa deixar o recado para outra. Porém, algumas vezes, funcionava como chat. O dono do Orkut teve sua parte de recados “invadida” por brasileiros que a usavam como sala de bate-papo.

O scrapt era uma arma para evitar ser adicionado por “gente desagradável”, então alguns perfis vinham acompanhados da seguinte descrição: “Só add (adiciono, no internetês) com scrapt”. Outros não gostavam de ter seus recados expostos e deletavam para “ter privacidade”, mas alguns queriam ostentá-los. Um comportamento bizarro era o perfil de casal, quando duas pessoas que estavam apaixonadas resolveram “um belo dia” criar um perfil duplo. Não vou nem dizer que muitos namoros foram rompidos por causa dessa ideia de jerico.

Já o depoimento era quase o arquivo confidencial do Faustão virtual. Era o momento que o melhor amigo dizia que te amava, o carinha que você está pegando declara todo o seu amor ou tua mãe bota aquela descrição vergonha alheia. Porém, tinha gente que usava para fazer denúncias, guardar segredo e mandava para o amigo para esculachar alguém que odeia tanto. Praticamente, um plano B caso o MSN falhasse.

Também era o local para colocar as melhores fotos e só 12 fotos podiam ser colocadas em seu álbum de fotografia. Depois, o Orkut permitiu que criassem novos álbuns. Se você olhar algumas fotografias que estão publicadas na rede social, você percebe como era uma pessoa imatura e não sabia da importância de ter cuidado ao colocar algo na internet. Por exemplo, as minhas fotos são pavorosas. Eu não sei se tenho vergonha mais das fotos do perfil ou dos milhares de blogs e flogs que tive.

álbum
Este é meu álbum de fotografia do Orkut

Tudo o que você postasse era uma notícia. Reza a lenda que a função principal dessa mídia social era olhar a vida alheia – não que tenha mudado muita coisa com o advento do Facebook. Muita gente vigiava outros perfis por conta disso. Se você tivesse parente fofoqueiro na sua lista de amigos, a novidade que fosse colocada lá a sua família saberia no dia seguinte, certeza. Era o local onde você sabia quem começou a namorar, assumiu que não era hétero, terminou o namoro, escreveu errado em um scrapt, participa de uma comunidade com gostos duvidosos, publicou uma foto polêmica, dentre outras coisas.

Se você achasse o seu amigo mala ou que lhe fez algo ruim, você podia bloquear ou deletá-lo. Falando disso, eu lembrei desta música a seguir e, sem querer, retrata a internet dos anos 2000:

http://www.youtube.com/watch?v=VCLpsrqeASE

Um belo dia, o Orkut resolveu colocar uma ferramenta em que poderiam descobrir quem visitava o perfil de quem. Isto virou um pandemônio, muita gente ficava revoltada e outros adoravam saber que foi “fuxicada” por alguém. Quem quisesse fiscalizar sem ser descoberto, só era desativar a função. Porém, você não saberia quem lhe vigiou.

Por causa desses tipos de comportamento, surgiu o chamado “Pérolas do Orkut”, onde eram publicadas as coisas mais bizarras que existiam na rede social. Desde comunidades com nomes errados até barracos. Era tão engraçado, que tinha vezes que eu não acreditava que existia seres humanos com coragem de publicar essas coisas na internet.  Hoje, este site se chama só Pérolas e mostra as pagações de micos também de outras redes sociais.

Infelizmente, nem tudo eram flores no Orkut, uma vez que o espaço foi usado para fazer algumas coisas ruins. Foram criados diversos perfis falsos para difamar ou atacar usuários e o sistema de segurança era tão falho, que era fácil ter seu perfil ou comunidade roubada. Além disso, muitas comunidades propagavam coisas ruins, como zoofilia, pedofilia e apologia ao terrorismo.

Apesar desta parte chata, o Orkut foi uma revolução na internet, participou de um período que o país começou a ter inclusão digital, aprenderam a usar um computador,  além de formar a geração que viveu a adolescência da década de 2000 e estimulou a criação de amigos, o surgimento de blogs, vlogs e podcasts e muita gente começou a ganhar dinheiro com isso. Esta sempre será lembrada como uma antecessora de outras mídias sociais e, com certeza, vai estimular a criar outras que vamos usufruir futuramente. Obrigada, Orkut, descanse em paz!

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Lara Paiva
Natalense, jornalista, gosta de música, livros e boas histórias desde que se entende por gente. Também tem uma quedinha pela fotografia.
Lara Paiva

Lara Paiva

Natalense, jornalista, gosta de música, livros e boas histórias desde que se entende por gente. Também tem uma quedinha pela fotografia.

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