“Êxodo – Deuses e Reis” marca o retorno de Ridey Scott aos épicos

Readaptar uma história mundialmente conhecida e muitas vezes contada é um trabalho difícil no cinema, ainda mais quando essa história envolve crenças religiosas. É preciso ter cuidado para agradar os cinéfilos e os religiosos mais fervorosos. E foi essa problemática que o experiente Ridley Scott (O Conselheiro do Crime) teve em mãos ao levar às telas mais uma versão da saga de Moisés. Com uma produção rica em detalhes, milionária em orçamento e com um toque menos miraculoso, o retorno do diretor inglês aos épicos foi triunfante.

Êxodo – Deuses e Reis (Exodus – Gods and Kings) acompanha a trajetória de Moisés (Christian Bale, Trapaça), hebreu criado pela realeza egípcia como irmão do futuro faraó Ramsés (Joel Edgerton, O Grande Gatsby). Após salvar a vida de seu “irmão” em batalha e se por como o centro de uma profecia que questiona sua lealdade, Moisés é afastado do palácio. Após conversar com Deus (Isaac Andrews, Hércules), o líder dos hebreus retorna ao palácio e confronta o agora faraó Ramsés pela libertação de seu povo da escravidão.

Christian Bale como Moisés (Moshe)
Christian Bale como Moisés (Moshe)

Orçado em U$ 140 milhões, a película tem uma direção de arte refinadíssima, o design de produção é um forte aliado na composição do ambiente. O figurino de Janty Yates (O Conselheiro do Crime), colaboradora habitual de Scott, é elegante, preciso e muito útil na composição das personagens. Reparem na simplicidade do faraó Seti (John Turturro, Rio, Eu Te Amo), na neutralidade de Moisés e na extravagância de Ramsés, tudo estampado nos figurinos. Os cenários sabem explorar o calor do Egito e a imponência do palácio real com luxo e ostentação. Além disso, os efeitos visuais estão arrebatadores e bem orquestrados.

Em filmes desse porte, as atuações costumam ser menos destacadas que a obra como um todo. Dessa forma, os atores cumprem seu papel sem muitas exigências. Christian Bale mantém a sobriedade de seu Moisés por toda a película, passando raciocínio lógico, ceticismo e cautela. Joel Edgerton dá certo carisma a Ramsés e os demais mostram competência. A película ainda conta com pontas de Sigourney Weaver (Political Animals), Ben Kingsley (A Invenção de Hugo Cabret) e Aaron Paul (Breaking Bad), por cujo sucesso em Hollywood eu torço muito. Destaque para a firme atuação do Deus criança de Isaac Andrews.

Seti (John Turturro)
Seti (John Turturro)

O roteiro de Adam Cooper e Bill Collage (Roubo nas Alturas), Jeffrey Caine (O Jardineiro Fiel) e Steven Zaillian (A Lista de Schindler), aliado às montagem e direção, retrata os principais eventos do filme de forma organizada e bem estruturada, mas chama a atenção pela forma como retrata certas passagens. Vemos em cena um protagonista muito cético e não tão subserviente ao Criador, questionando-o e se opondo em alguns instantes. Além disso, as ações de Deus sempre são vistas por uma ótica mais próxima do crível. Mesmo sem questionar ou minimizar a presença de um ser superior, o roteiro retrata alguns acontecimentos com mais proximidade de fenômenos naturais do que de milagres.

Christian Bale e Ben Kingsley
Christian Bale e Ben Kingsley

A forma como a obra cinematográfica aborda o Onipotente também é curiosa. A entidade aparece para Moisés sempre em forma de criança e jamais é vista por outra pessoa, de forma que seus encontros com seu interlocutor sempre são mostrados do ponto de vista do líder dos hebreus. Existe coragem na forma como o roteiro brinca com a presença do Criador, deixando-nos com uma pulga atrás da orelha quanto a veracidade do que vemos. Verdade ou ilusão? A própria aparência infantil pode provocar interpretações mais dúbias, como se Deus fosse uma criança cruel que nos usa como brinquedos.

Os 150 minutos de duração passam sem provocar cansaço, méritos de Ridley Scott e do montador Billy Rich (Terra Prometida). As cenas com mais ação jamais são confusas graças à coordenação do diretor. O uso de um mesmo ponto de vista facilita o entendimento do público, como na batalha inicial que vemos as ações das tropas do faraó sempre da esquerda para a direita da tela. Scott ainda consegue usar a criatividade com planos mais ousados como o da câmera mostrando, de cima, uma biga na beira de um penhasco ou mesmo o do alto do Mar Vermelho mostrando a imponência da natureza (e da força de divina). Já os cortes de Rich picotam a história em momentos estratégicos, dando mais espaço para o desenvolvimento dos fatos mais importantes. Os saltos temporais intercalam as sequências maiores equilibrando bem os acontecimentos.

Joel Edgerton (Ramsés)
Joel Edgerton (Ramsés)

Êxodo – Deuses e Reis é uma produção de visual arrebatador e história bem elaborada. Ministrada com cautela, o filme traz competência, estilo e novo frescor à essa saga retratada em obras de sucesso como Os Dez Mandamentos, de 1956, e O Príncipe do Egito, 1998. É muito bom ver Ridley Scott acertando novamente em sua carreira num gênero em que ele virou referência com Gladiador.

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João Victor Wanderley
Radialista por formação e jornalista em formação. Minha paixão pelo cinema me trouxe ao Chaplin; minha loucura, ao Movietrolla. Qualquer coisa, a culpa é d’O Chaplin… E “A Origem” é o maior filme de todos!
João Victor Wanderley

João Victor Wanderley

Radialista por formação e jornalista em formação. Minha paixão pelo cinema me trouxe ao Chaplin; minha loucura, ao Movietrolla. Qualquer coisa, a culpa é d'O Chaplin... E "A Origem" é o maior filme de todos!

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