Festival do Rio 2013: ‘Hawaii’ é um belo exemplo de que menos pode ser mais

Sempre que mais uma edição do Festival do Rio se anuncia, uma das mostras mais concorridas e esperadas é a “Mundo Gay”, com as mais recentes produções com temática homossexual. Um dos motivos que permitem o sucesso de público dessas sessões é a revisão – seja com a presença mínima ou mesmo ausência – de pudor e do preconceito presente na nossa sociedade. Quero dizer com isso que, na maioria das vezes, a relativização da “moral e dos bons costumes” nos guetos homossexuais leva ao sexo imediato, sem rodeios e frequentemente sem romance. Mas é claro que, como fala o ditado popular, “para toda regra há uma exceção”. Aqui, a exceção é o filme “Hawaii” (2013), do argentino Marco Berger.

A troca de olhares entre os protagonistas Eugênio (Manuel Vignau) e Martín (Mateo Chiarino) é um dos melhores aspectos de “Hawaii”

Em “Hawaii”, Eugênio (Manuel Vignau) passa o verão cuidando da casa de campo dos tios em busca de inspiração para um livro que está escrevendo. Martín (Mateo Chiarino) não tem mais nenhum parente vivo, está desempregado e por isso se candidata a cuidar da casa e a consertar tudo que for necessário. Os dois se reconhecem e descobrem que foram grandes amigos desde então. Em princípio, os dois convivem na base da omissão: Martín não revela que não tem lugar para morar e Eugênio disfarça a homossexualidade e o interesse no amigo. Mas as lembranças e brincadeiras do passado que vão sendo resgatas começam a despertar flertes furtivos e abraços emocionados.

Cartaz oficial do filme

O filme é um romântico desafio. É completamente oposto às características da típica narrativa americana, que são a rápida velocidade e os cortes precisos do cinema americano. Ao contrário, o ritmo desse conto gay cinematográfico é bem calmo. Mas é no andamento da obra que está sua força poética: as cenas dos olhares escondidos (muito bem expressados pela dupla de protagonistas), a distração para o mundo interior, os diálogos registrados apenas nos momentos estritamente necessários são fundamentais para o tempo cauteloso de uma paquera na qual nenhum dos dois conhece as reais intenções do outro. Com todas essas características da montagem, o diretor Marco Berger escolheu a dedo os dois rapazes integrantes do elenco e o resultado não poderia ser melhor, uma vez que tanto Manuel Vignau (que já trabalhou com o diretor em outras ocasiões) quanto o estreante Mateo Chiarino têm uma química impressionante em cena.

O espectador, que no começo fica entediado porque ainda não se acostumou ao andamento diferenciado do filme, torna-se cúmplice da intenção mútua do casal protagonista. Ficamos ansiosos, nervosos, impacientes, e – em seguida – frustrados a cada tentativa de maior intimidade. Na verdade, incorporamos os mesmos sentimentos e a mesma tensão das personagens. Ficamos esperando para ver se a relação deles evolui, ainda que seja para um simples toque. Esse é que é o toque de gênio do diretor argentino: cada um se transforma em Eugênio e Martín dentro de si.

Eugênio, um escritor argentino, hesita em demonstrar o interesse no seu colega de infância, o caseiro Martín

A montagem de som – valorizando o som direto do local filmado – a trilha sonora mínima, caracterizada pelas canções instrumentais, e a fotografia intimista são fatores que contribuem para o excelente resultado e a aproximação entre o filme e seus espectadores. Até o nome do filme, que em nada tem a ver com o interior da Argentina, onde se desenrola a trama, é desencadeado perfeitamente no roteiro. O motivo para um filme tão simples – sem que isso possa representar uma desqualificação – é que “Hawaii” foi totalmente financiado via Kickstarter, um dos maiores sites de crowdfunding da internet. Os amantes do cinema minimalista, inclusive eu, esperam que a ferramenta pegue pra valer, trazendo mais filmes tão tocantes como esse romance gay argentino.

Confira o trailer e – se na sua cidade há cinemas alternativos ou cineclubes – aguarde ansiosamente por essa produção.

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Vinícius Vieira
Sagitariano carioca que mora em Natal. Jornalista formado pela UFRJ e UFRN. Apaixonado por cinema, praia e viagens.
Vinícius Vieira

Vinícius Vieira

Sagitariano carioca que mora em Natal. Jornalista formado pela UFRJ e UFRN. Apaixonado por cinema, praia e viagens.

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lucas brelaz
lucas brelaz
10 anos atrás

Você descreveu perfeitamente esse filme, após ter visto essa obra eu não consigo acreditar que na sociedade atual possa existir um relacionamento tão forte como o deles, mas enfim, se tratando da filme, o diretor fez uma combinação perfeita entre o cenário e a trilha sonora, pois uma música instrumental calma deixa o clima do filme bem reflexivo para os eventos que ocorrem. E o final é que surpreende um pouco, esperava (e acho que todos esperavam) um final x, mas o diretor nos surpreende com um final belíssimo por sinal, enfim, foi o melhor filme gay que já vi, e outra, Hawaii supera mil vezes esses filmes gay americanos que só valorizam o sexo, sexo e sexo.

Tiago
Tiago
Reply to  lucas brelaz
9 anos atrás

Concordo com vocês, Lucas e Vinicius!! O filme é muito bom! Quase um sonho hahaha
Recomendo que assistam!

JSS
JSS
Reply to  Tiago
9 anos atrás

Concordo plenamente com você esse filme é simplesmente apaixonante aborda muito bem o tema gay sem se ater a assuntos tais como drogas, sexo desenfreado é um convite perfeito à auto reflexão, e a repensar nosso estilo extravagante de abordagem do mundo homossexual.

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