Os estúdios Disney destacaram-se na corrida pelo Oscar de melhor figurino esse ano. Foram duas indicações para películas baseadas em histórias de contos de fadas: Maleficent (Malévola, em português) e Into the Woods (Caminhos da Floresta, em português). Esse último ainda possui indicações a direção de arte e atriz coadjuvante para Meryl Streep, como a bruxa má.
Dirigido por Rob Marshall (Chicago e Nine), com o figurino assinado pela vencedora do Oscar Colleen Atwood (Alice no país das maravilhas e Chicago) e roteiro baseado na peça homônima da Broadway, Caminhos da Floresta narra o encontro de diversos personagens de contos de fadas em busca de um fim comum. O figurino do filme possui, em sua maioria, tons terrosos, verde musgo, preto, azul e alguns tons vermelhos. Impossível de contextualizar em um eixo temporal fixo, o figurino une diversas peças-chave de cada época, e é entrelaçado com a personalidade de cada personagem dos contos apresentados no filme.
Sob um olhar crítico, observamos a discrepância entre a realidade social de cada personagem de contos de fadas. Cinderela (Anna Kendrick) usa vestidos em tons brancos ou cinzas e corseletes em tons terrosos. A personagem não usa saiote porque é uma empregada da casa – o que a distingue das irmãs adotivas. O saiote era uma peça do vestuário que indicava status social. Enquanto isso, quando há o makeover para que ela possa ir ao festival, a personagem transforma seu status social ao usar um vestido dourado, anáguas e salto alto. A personagem de Kendrick simboliza as garotas de classe baixa dos séculos XVIII e XIX.
Em contrapartida, as irmãs adotivas Florinda (Tammy Blanchard ) e Lucinda (Lucy Punch) e a madrasta (Christine Baranski) são a clara imagem da ostentação francesa em meados de 1720. As peças usadas pela madrasta e suas filhas remetem ao nascimento da alta costura, quando rendas, seda e transparência eram sinônimos de riqueza. A silhueta apostava em frente e costas planas, e a atenção recaía na cintura fina apertada pelos espartilhos e o quadril largo que, em função do saiote, era utilizado por baixo dos vestidos daquelas que tinham uma condição mais abastada. Referência forte a esse vestuário são as peças e adornos usados pela rainha Maria Antonieta, considerada a “rainha da moda”.
O filme também traz como referência peças do vestuário conhecido pelos cavalheiros ingleses, calças de montaria, botas e coletes. Peças utilitárias para homens do campo. Os príncipes da Cinderela (Chris Pine) e o da Rapunzel (Billy Magnussen) são a personificação de tais cavalheiros, ao mesmo tempo que são líderes de um povo também conseguem ser caçadores. Diferentemente do vestuário original, a releitura feita por Atwood revelou-se em alguns aspectos bem moderna, com a utilização das tachinhas estilo punk no casaco do príncipe da Rapunzel e o brilho no corte de alfaiataria de Chris Pine.
Já Rapunzel, interpretada pela atriz Makenzie Mauzy, possui o figurino baseado na época romântica francesa e popularizado pelas ladies inglesas em meados do século XIX. A releitura feita por Atwood tem os traços principais da época, como as cores, o colo, a vista em forma de canoa, vestidos longos com o comprimento até o tornozelo e anáguas debaixo da saia para dar mais volume ao quadril. Diferentemente da moda “espartilho” popularizada pela rainha Maria Antonieta , o figurino romântico primava pelo corpo mais natural da mulher, o que permitiu uma visão mais recatada da figura feminina, e por outro lado levou um péssimo estigma à peça.
Outra versão do vestuário romântico está no figurino da personagem bruxa má (Meryl Streep), transformado em um estilo dark da vestimenta romântica. Seu figurino baseia-se principalmente na cor azul, a princípio um tom mais escuro puxado para o verde musgo – que faz um ótimo diálogo com a floresta. O escuro representa a maldade como fatores principais para a caracterização da personagem. O corte é em suma romântico, as mangas transformam-se em mangas sanduíches – aquelas que começam finas nos braços e terminam bufantes no ombro – famosas na moda medieval. Quando a Bruxa má torna-se bonita e, consequentemente, “boa”, o figurino mostra um tom de azul mais claro e decote em “v”. Dessa forma, os tons claros remetem a uma boa índole, enquanto os tons escuros são adotados pelos vilões da estória.
O meio termo acontece com os personagens padeiro (James Corden), a mulher do padeiro (Emily Blunt) , João (Daniel Huttlestone) e Chapeuzinho Vermelho (Lilla Crawford). Esses personagens usam as roupas utilitárias referentes à Inglaterra no final do século XIX. A personagem de Emily Blunt, assim como a de Anna Kendrick, personifica a mulher, casada e de pouca aquisição monetária na Inglaterra. Essa mulher usa em sua maioria tons escuros, o que significa a predisposição da personagem ao trabalho. Pouco uso de anáguas e uma clara recepção da indumentária do século XX, que chegaria em breve. João, por sua vez, possui o figurino mais contemporâneo do filme. Uma referência forte ao popular personagem inglês Oliver Twist. Em suma, o núcleo mais contemporâneo do filme representa o fim de uma jornada na história do figurino de “Caminhos da Floresta” .
A figurinista Colleen Atwod contou, a partir de diversas narrativas paralelas, a evolução da indumentária desde o final do século XVII até o fim do século XIX. Ponto para Colleen, cuja missão não foi fácil: contextualizar um figurino numa época incerta, já que os contos de fadas não são datados, apesar das referências à Idade Média e ao período monárquico europeu. Atwood pode não levar a estatueta para casa, porém seu trabalho seguramente merece aplausos.
Estudante de jornalismo, aspirante a figurinista e fã incondicional de Grace Codington, Anna Wintour, Nina Garcia e Miranda Priestly.
Frase favorita: “That’s all” .