Fullmetal Alchemist: Brotherhood, um anime cinematográfico

Há algumas semanas me deparei com uma discussão em uma página sobre cinema no Facebook. Algumas pessoas criticavam o fato dos grandes estúdios estarem lançando muitos filmes baseados em livros e quadrinhos e apostando em refilmagens de outros filmes. O que mais se questionava era uma tal “falta de originalidade” dos filmes de Hollywood, que estariam carentes de bons argumentos e roteiros.  Da mesma falta de originalidade são acusadas as queridas, e ao mesmo tempo odiadas, séries, que quando fazem sucesso se estendem demais e acabam se perdendo. Exemplos dos dois casos não faltam. E, verdade seja dita, isso não é regra, pois há muita coisa boa sendo feita, também.

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Essa introdução se faz necessária porque foi longe de filmes e séries de TV que eu fui achar algo original e muito, mas muito, bem desenvolvido e pensado. Refiro-me ao anime Fullmetal Alchemist: Brotherhood (em japonês Hagane no Renkinjutsushi fullmetal alchemist) lançado e exibido entre 2009 e 2010. Ah, antes que alguém venha falar, anime não é desenho, ok? Anime é anime. É diferente (risos).

Pois bem, assim como todos os animes que conheço, FMAB é uma adaptação do mangá, criado pela genial Hirumo Arakawa. A versão animada ficou a cargo do estúdio Bones, com direção de Yasuhiro Irie. Na verdade, está é a segunda série derivada da obra original. Houve uma anterior, lançada entre 2003 e 2004, que não agradou o público, pois se desvirtuou muito da história do mangá. Brotherhood segue a legítima saga escrita por Arakawa e é, sem dúvidas, um dos melhores animes dos últimos 10 anos(senão o melhor).

O enredo se desenvolve em um mundo ficcional onde a alquimia pode ser utilizada e manipulada pelos humanos. Este universo se assemelha ao período histórico que compreende o final do século XIX e começo do século XX, porém com uma pegada steampunk. A jornada se inicia quando, ainda crianças, os irmãos protagonistas Edward e Alphonse Elric cometem um terrível erro, tentam transmutar o corpo de sua falecida mãe, quebrando uma das leis fundamentais da alquimia. A lei da troca equivalente cobra um preço alto da dupla, Edward fica sem uma das pernas, enquanto Alphonse perde todo seu corpo.

Após o baque, e desesperado, Ed realiza outra transmutação e fixa a alma de Al em uma armadura, sendo cobrado novamente pela troca equivalente e o “portão da verdade” – uma espécie de outra dimensão para onde são transportados aqueles que realizam a transmutação humana – o que acaba o deixado sem um dos braços. Após a tragédia, os irmãos decidem desistir da transmutação humana e se focam em uma meta: conseguir seus corpos originais de volta. Ed passa a usar próteses no lugar dos membros perdidos e entra para o exército, força vigente que controla o estado. Ele recebe a alcunha de  “Alquimista do Aço”, e junto com seu irmão inicia uma busca atrás de algo que poderá devolver suas formas originais, a infame pedra filosofal.

No entanto, a tarefa não será fácil. Está em curso um obscuro plano acerca da tão preciosa pedra filosofal, que por sua vez, esconde um terrível mal por trás de sua criação. Do lado dos inimigos estão os homunculus, terríveis criaturas humanoides que personificam os sete pecados capitais; eles serão os principais obstáculos entre os irmãos Elric e sua ambição. É quando tem início uma sangrenta guerra, que envolve ações do presente e passado e será agente de muita dor e tristeza.

Uma das coisas que apaixonam em FMAB é a preciosidade de sua narrativa e desenvolvimento e de seus personagens. O fio condutor é a vontade dos irmãos Elric em conseguir de volta deus corpos e se livrar de sua maldição. Cria-se afeto pelos dois, se tem pena de sua situação e angústia por ter perdido a mãe, e a mágoa pelo pai, que os abandona. Durante os 64 episódios da série, vamos entrando cada vez mais de cabeça no drama e torcendo pelos protagonistas. Da mesma forma, ficamos com o coração na mão e temendo. Será que eles conseguem recuperar seus corpos? Será que sobrevivem?

Os personagens são muito bem construídos, bem como os subplots que cercam a trama principal. Há uma enorme empatia criada por diversas figuras, sendo elas mocinhos ou vilões. Personagens como Scar, Roy Mustang e Ling Yao tem seus próprios objetivos, suas histórias e buscas pessoais. Durante a epopeia, as tramas vão se interlaçando e convergindo para algo maior.

Claro, não falta ação. O anime é um battle shonen (tipo de anime em que há batalhas, visado para um público jovem), as sequências de luta são bastante dinâmicas e bem realizadas. Há muito sangue e lágrimas, e pouco “lenga-lenga”, como acontece em outros do tipo. Como é de praxe em produções do tipo, há uma certa dose de comédia, mas muito bem pontuada e não exagerada; até muito bem utilizada, para criar proximidade do público com os personagens.

O roteiro de FMAB chega a ser primoroso, uma aula para quem estuda  escrita para audiovisual. Nada está fora do lugar ou jogado a esmo. Há propósito para tudo, se algo ficou sem explicação no primeiro episódio, será encaixado no final, as pontas são todas amarradas. O ritmo é muito bem definido, há uma curva dramática bem desenhada, que vai, a cada episódio, ganhando força e aumentando em termos de ações e intensidade. Não há “encheção de linguiça”, os episódios são diretos. Sem contar os diálogos muito bem pontuados e sem lições de moral escancaradas, que vão de sentimentalismo a discussões filosófico-existenciais.

Fullmetal Alchemist: Brotherhood é um anime diferenciado,  seus protagonistas não querem salvar o mundo, eles buscam por algo pessoal, são egoístas. O que não quer dizer que tenham uma má índole. Eles perdem batalhas, são colocados no seu lugar, reconhecem suas fraquezas. Não são mostrados como heróis. No entanto, são perseverantes e cativantes, capazes do mais puro altruísmo.

Adornando o que já foi falado, somem uma belíssima trilha sonora e aberturas e encerramentos bem legais. Enchendo os olhos, também, pode-se observar um belo traço no desenho do anime e muito boas referências de luz, sombra e planos fotográficos.

Esta obra-prima nipônica agradou e agrada a uma legião de fãs, não só no Japão. Vale a pena assistir, mesmo que não tenha hábito de ver animes. Vocês podem se deparar com algo de que gostarão bastante. É até bom para desafogar de filmes e séries, às vezes. Os grandes estúdios deveriam contratar mais japoneses para criar roteiros. Só, por favor, não inventem nunca de adaptar uma história dessas para as telonas. Aliás, Fullmetal Alchemist: Brotherhood é coisa de cinema!

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Jaime Guimarães
Jornalista, headbanger baterista e metido a roteirista. A rima só não é pior que o gosto por mindblowing movies.
Jaime Guimarães

Jaime Guimarães

Jornalista, headbanger baterista e metido a roteirista. A rima só não é pior que o gosto por mindblowing movies.

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