Há tempos (meses, seis deles, aproximadamente) o filme Henry & June (1990) estava convidativamente posicionado ao lado da minha televisão, implorando para ser assistido, mas por motivos diversos que surgem quando estamos em aula não tive como assisti-lo senão há algumas semanas. Outros imprevistos – falta da inspiração necessária, talvez – me fizeram começar a postagem nesse blog e só agora terminá-la.
O filme, com direção de Philip Kaufman (sem grandes antecedentes na grande mídia) se passa em Paris, tem personagens parisienses – em matéria de atitudes, não obrigatoriamente de nacionalidade – música parisiense, cenas com erotismo parisiense, diálogos que não dão a mínima para o pudor (como os de cinema parisiense), mas é americano. Americano e falado em inglês. O que, na minha opinião, juntamente com o talento um tanto duvidoso da protagonista portuguesa Maria de Medeiros, foram os únicos ponto fracos do filme.
Henry & June é baseado nos diários secretos (e reais) da escritora parisiense Anaïs Nin, na época, imatura em sua escrita, confusa e inconstante (como toda escritora). O filme traz a relação que se desenrola quando Anaïs conhece Henry Miller (Fred Ward), um escritor americano, e sua atraente esposa, a misteriosa atriz June. Aqui convém inserir um parágrafo só para June.
June Miller é interpretada pela – agora – digníssima Uma Thurman, por quem eu, confesso, não tinha respeito algum antes desse filme. Logicamente, isso se dá por minha ignorância no que diz respeito a belíssima atriz que, embora tenha máculas como Kill Bill’s e comédias românticas sem pés nem cabeça (vide, por exemplo, Minha Super Ex-namorada) em seu currículo, provou que sabe também manejar personagens de respeito. Quase todos no início de sua carreira, é verdade, mas é compreensível que um nome famoso também se faça de filmes estritamente comerciais. De toda forma, o que vem ao caso é que Uma Thurman roubou (quase) todas as atenções em Henry & June. As minhas, ao menos. Claro que a personagem que lhe fora destinada ajudou bastante. E Uma soube fazer jus à incrível e angustiada June, que horas parece ser a pessoa mais desapegada que se possa imaginar e horas sustentava uma carência doentia que me fazia suplicar que alguém a transportasse até um manicômio.
Henry, que deveria ser o par principal juntamente com Anaïs, é sufocado pela presença das duas beldades, embora a portuguesa Maria de Medeiros não tenha a mesma desenvoltura de Thurman.
O espectador é constantemente assediado pelos instintos e paixões dos personagens, algumas vezes, questionando as palavras e ações que expressam. Acostumados com o romantismo hollywoodiano, é difícil entender que Anaïs possa amar verdadeiramente três pessoas ao mesmo tempo. A nossa visão quadrada acusa a personagem, mas nada no filme nos indica que ela esteja mentindo. Nem mesmo suas expressões, ações ou pensamentos. A realidade é que tanto Anaïs, quanto June e Henry – salva-se nessa história o fiel Hugo, marido de Anaïs – amam a si mesmos, e são leais aos sentimentos que sustentam, sem importar-se em estipularem limites ou razões para eles. Henry & June fala de amor em sua forma menos comum, paixão, erotismo, impulso, intensidade, arte e nos trás como cenário a desejável Paris do início do século XX.
Embora o diretor tenha feito os esforços possíveis para tornar a produção comercial, o filme é intimista e exige do espectador repertório para situar-se no cotidiano e pensamentos no núcleo de personagens. Com frequência são pinceladas referências artísticas sem a preocupação de muitas explicações, como o filme Um Cão Andaluz (1929), de Louis Bruñel em parceria com Salvador Dalí, e O Martírio de Joana D’arc (1928), filme em que o diretor Dreyer traumatizou para sempre a atriz Maria Falconetti (mas isso é conversa para outra mesa de bar).
Não sou do tipo que dá notas aos filmes como se eles fossem tarefas de casa dos diretores, mas se tivesse que pontuar Henry & June, contemplaria com um 9,5 sendo os 5 décimos perdidos exclusivamente devido ao fato de se passar na França e falado em inglês. Para mim, qualquer filme que seguisse esse padrão, deveria ter seu roteiro parcialmente condenado. Contudo, devolvo os 5 décimos perdidos pela falha idiomática devido a alegria pessoal de ver o estonteante Gary Oldman atuando, embora superficialmente. Mas um filme com Gary Oldman sempre merece pontos. Ou, no caso, décimos. Portanto, Henry & June fica com 10 e a você, caro leitor, que teve perseverança para chegar ao fim desse texto, presenteio com o link desse digníssimo e imperdível filme. Clique aqui e faça o download.
Jornalista, cinéfila incurável e escritora em formação. Típica escorpiana. Cearense natural e potiguar adotada. Apaixonada por cinema, literatura, música, arte e pessoas. Especialista em Cinema e mestranda em Estudos da Mídia (PPgEM/UFRN). É diretora deste site.