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A escritora Elizabeth Bishop |
Poucos conseguem narrar o real de forma atrativa. Penso que talvez por isso documentários são menos vistos que filmes de ficção, e biografias menos lidas que romances. É necessário competência e sensibilidade para conseguir extrair do “comum” a grandiosidade do único. Não precisei ler outros livros da escritora carioca Carmen L. Oliveira para ter certeza de que ela tem o talento de não só enxergar beleza em histórias rotineiras como escrevê-las de modo a ultrapassar a mera narração sistemática e escrupulosa.
Em “Flores Raras e Banalíssimas” (Rocco, 1995), Carmen L. Oliveira atreve-se. Correndo o risco de transformar, por vezes, a realidade em ficção, ela insere-se na cabeça dos personagens e tem uma coragem agressiva ao escrever não apenas sobre atitudes, mas pensamentos e emoções. Contudo, Carmen pede licença, se mostra sensível e respeitosa para os nomes presentes no livro e também para com o leitor, que delicia-se a cada página com a narrativa madura e e suave da escritora.
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Lota de Macedo Soares |
O livro tem dois focos principais. O primeiro é a relação de quinze anos da escritora americana Elizabeth Bishop com a arquiteta brasileira Lota de Macedo Soares. O segundo viés muito bem explorado por Carmen é o registro histórico do momento político, econômico e social de uma cidade do Brasil, o Rio de Janeiro dos anos 50 e 60, tendo como gancho os trabalhos arquitetônicos pensados e executados por Lota.
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Capa do livro (Editora Rocco) |
A pesquisa realizada pela escritora se mostra detalhista. Desde arquivos pessoais, jornais, cartas, rascunhos, a entrevistas com mais de trinta fontes. Isso possibilitou a Carmen conhecer a fundo as relações entre os personagens e expor um realismo maior em seu texto, como por exemplo, na técnica de ter, em determinadas partes, o ponto de vista de uma personagem e conseguir expressar isso sem esforços, utilizando-se de apelidos, expressões específicas ou da menção a uma mania característica de uma personagem, aproximando-lhes do leitor, que começa a familiarizar-se com as pessoas da história.
“Flores Raras e Banalíssimas” merece o título de livro de cabeceira. Aquele que você lê todos os dias, um pouquinho, antes de dormir, permitindo-se degustar e até sonhar a respeito. Fala de pessoas, de sentimentos, de emoções e da singularidade de uma história comum, que poderia render um documentário de quatro minutos, ou uma reportagem para o jornal de domingo, mas, na perspectiva sensível e apurada de Carmen L. de Oliveira, rendeu um livro de 211 páginas. Formidável, por sinal.
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Gloria Pires e Miranda Otto como Lota e Elizabeth no filme “Flores Raras”, de roteiro baseado no livro de Carmen L. Oliveira |

Jornalista, cinéfila incurável e escritora em formação. Típica escorpiana. Cearense natural e potiguar adotada. Apaixonada por cinema, literatura, música, arte e pessoas. Especialista em Cinema e mestranda em Estudos da Mídia (PPgEM/UFRN). É diretora deste site.