Quando um nome famoso no meio dos quadrinhos lança uma HQ é uma comoção geral, todos correm para as bancas atrás de um exemplar e, na ânsia de se surpreenderem, podem acabar frustrados, ou não. Bem, no caso do último trabalho de Frank Miller “Holy Terror” (2011), foi um choque seguindo de uma repulsa e um misto de inquietação. Explico o porquê.
Não que eu ache que Miller seja um cara de direita, sei bem que ele não curte o politicamente correto e gosta de polemizar, mas nesse projeto parece ter se enrolado na bandeira norte-americana e aceitado cegamente a guerra que seus líderes começaram, algo extremamente perigoso nos dias de hoje, principalmente para um artista. Quando lidamos com um embate do passado entre nazistas e super-heróis norte-americanos é aceitável, uma vez que o vilão é reconhecido mundialmente e a História tratou de reafirmar. No entanto, em “Holy Terror” o autor inventa de falar sobre um conflito mal explicado em que vilões e mocinhos não podem, nem devem ser maniqueístas da maneira que ele os representou. Vamos ao enredo.
Trata-se da narrativa do herói Fixer (descaradamente parecido com o Homem-Morcego) e sua inimiga e amante Natalie Stack (que “coincidentemente” é idêntica à Mulher-Gato) zelando pela segurança de Empire City, vulgo Nova York, na iminência de um atentado terrorista. A história é “interrompida” em diversos momentos para “comerciais”, isso mesmo, comerciais em que comentaristas e personalidades políticas são mostrados falando seu discurso de confronto com os terroristas à mídia. Os desenhos chegam a ser confusos, por vezes é preciso ler e reler uma mesma página pra compreender aquilo que se vê, mas eu particularmente achei fascinante essa ideia, aliás, a parte gráfica e estética do HQ é extremamente bonita. Quanto a isso, o mesmo bom e velho Miller continua em forma, com seus traços em preto e branco e cores pontuais.
Resolvi analisar a obra em uma segunda leitura, afinal, vai que eu estou sendo preconceituosa, né? Vai que Miller ta só fazendo um joguete com o leitor e encaixando um monte de informações para que nós mesmos façamos o nosso juízo de valor sobre os muçulmanos bombardeando Empire City, trajando tradicionais roupas árabes e falando em Alá, dez anos depois da mesma cidade ter sido palco de uma das tragédias mais memoráveis do povo americano. A verdade é que se essa foi a intenção de Miller, foi uma terrível escolha, me soa como “forçação de barra” pra vender mais HQs sobre sangue, guerra e conflito, coisa que ele faz bem, mas errou a mão neste.
Hoje, doze anos depois dos atentados de 11 de setembro, a “guerra contra o terrorismo” foi dita bem sucedida, uma vez que Osama Bin Laden, líder da organização procurada pelos exército yankee, Al Quaeda, foi morto e a “democracia” foi implantada no Afeganistão. Há ainda as “armas em destruição em massa” do Iraque, um inimigo em potencial? Bem, a CIA tinha grandes expectativas de que fossem encontradas, afinal tudo levava a crer que elas existiam, certo? Ah, mas não tinha nada. Vejamos o saldo positivo: os EUA libertaram o Iraque de um ditador e “implantaram a democracia” lá. Acho que Holy Terror não convence, seria mais interessante passar um tempo assistindo ao documentário “11/9 – o Dia que Mudou o Nosso Mundo” (2011), de Gilles Bovon que é bem mais interessante e nos incita mais a pensar e o questionar que o HQ de Miller.
De um modo geral o saldo que fica é a impressão negativa de generalização, colocando o homem de turbante, representando o povo árabe, muçulmano como detentor de uma fé cega a ponto de cometer os maiores absurdos. A contrapartida americana, do governo e dessa HQ, foi tão cega e desmiolada quanto o pequeno grupo de terroristas, outrora financiados pelo próprio governo americano, que responde por uma região inteira. Há tempos eu não via um quadrinho tão propagandista, pra não dizer “preconceituoso” sobre algum tema como “Holy Terror”. Fico me perguntando onde foi parar o bom senso do cultuado quadrinista que ganhou meu respeito com “Batman – O Cavaleiro das Trevas”?! Para aqueles que pretendem conhecer o trabalho de Frank Miller, melhor não começar por este, aliás, podem pular este.
Uma míope quase sempre muito atrasada, cinéfila por opção, musicista fracassada e cronista das pequenas idiotices da vida. Pra sustentar suas divagações é jornalista, roteirista e fotógrafa.