‘Minha Mãe é Uma Peça – O Filme’ aposta nas crônicas do dia-a-dia e em humor de qualidade

“Minha mãe é uma chata, que saco!” Atire a pedra quem nunca falou isso ao menos em um momento de sua vida. E digo mais: desconfie de mães que não são tachadas de chatas ao menos uma vez durante a sua “carreira”. “Minha mãe é uma peça”, filme dirigido por André Pellenz e baseado na peça teatral escrita e estrelada pelo comediante Paulo Gustavo, é uma homenagem a essas mães que pegam no pé dos filhos, que além de mães, são despertadores, cozinheiras, inspetoras e seguranças particulares dos filhos.

Dona Hermínia (Paulo Gustavo) é mãe de meia idade, divorciada e hiperativa de três filhos. O mais velho, Garib (Bruno Bebianno), sempre foi o garoto prodígio da família. Tirava as melhores notas e saiu de casa cedo, casou com uma boa moça, mas a mãe, enciumada, evidentemente arranja motivos para desclassificá-la. Os dois mais novos, Juliano (Rodrigo Pandolfo) e Marcelina (Mariana Xavier) não largam o pé da mãe, que apesar de reclamar e ter problemas com aspectos da personalidade de um (Juliano é gay) e físicos da outra (Marcelina é obesa), é dedicada e cuida com zelo de ambos. No núcleo de personagens ainda existe o ex marido de Hermínia, Carlos Alberto (Herson Capri), e a nova esposa dele, mais nova e mais fútil que Hermínia, Soraia (Ingrid Guimarães).

Juliano, Dona Hermínia e Marcelina

Quando Dona Hermínia escuta, pelo celular, uma conversa da família apontando sua “chatice” e defeitos, resolve “dar um gelo” nos filhos, arruma as malas e vai para a casa de Tia Zélia (Suely Franco), que a recebe e para quem ela conta os vários episódios que já viveu com a família, desde a infância dos filhos. São essas crônicas, recheadas com humor de ótimo gosto, que permeiam todo o filme.

Crônicas sobre famílias geralmente capturam a atenção do espectador, porque, boa ou ruim, todos têm a sua. Paulo Gustavo, em seu roteiro, aposta em personagens bem diferentes entre si, caricatos e de fácil identificação. Assim você, certamente, vai lembrar-se do seu pai, da sua mãe, de um primo, de um amigo, da mãe de um amigo, do seu irmão ou da família do namorado. E posso dizer que, daqueles que fazem comédia atualmente no Brasil, Paulo Gustavo já ganhou a sua cadeira cativa como um dos meus favoritos. O roteiro, apesar das situações clichês, se torna genuíno, e engraçado não apenas pelas falas, mas pela forma como são faladas. Obviamente, o humorista rouba a cena em todos os momentos, tornando até mesmo a aclamada Ingrid Guimarães periférica, fato que atribuo possivelmente à falta de sal e de conteúdo de Soraia, personagem que ela interpreta.

Contudo, ao fim do filme, Paulo Gustavo se torna secundário e, honestamente, atribui os créditos a quem lhes é de direito. O autor expõe para o público uma gravação caseira de sua mãe, com vestido florido, bobs no cabelo, e  atitudes e vocabulário bastante semelhantes aos de Dona Hermínia. Uma clara homenagem a sua progenitora e musa inspiradora de sua obra.

O roteiro, embora simplista e sem muita pretensão filosófica, é tão sinceramente engraçado (justamente por expor de forma exagerada as questões do cotidiano que, dependendo do referencial, podem ser constrangedoras ou naturalmente divertidas), que os aspectos técnicos se tornam quase invisíveis. Não penso que fosse intenção do filme se enquadrar no quesito megaprodução. Deixa a desejar em alguns aspectos quando paramos para analisar o conjunto da obra. Mas, enquanto espectadora, isso não atingiu em nada a minha percepção do filme, que considero mais do que satisfatório para o que se propõe. Trata-se de um bom filme nacional, uma comédia autêntica e eficiente e, sobretudo, um show das habilidades de Paulo Gustavo na qualidade de roteirista, ator e humorista.

Já vi críticas negativas e me perguntei se os autores haviam assistido ao mesmo filme que eu. Então tentei imaginar qual o motivo de eu ter gostado tanto da produção. Cheguei à conclusão de que algo é fato: se você tem (meu caso) ou conhece uma mãe no estilo de Dona Hermínia (cada vez mais raras, em tempos de modernidade, mulheres que se dedicam mais ao trabalho que aos filhos, babás e professoras particulares), o filme se torna imensamente mais engraçado.

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Andressa Vieira
Jornalista, cinéfila incurável e escritora em formação. Típica escorpiana. Cearense natural e potiguar adotada. Apaixonada por cinema, literatura, música, arte e pessoas. Especialista em Cinema e mestranda em Estudos da Mídia (PPgEM/UFRN). É diretora deste site.
Andressa Vieira

Andressa Vieira

Jornalista, cinéfila incurável e escritora em formação. Típica escorpiana. Cearense natural e potiguar adotada. Apaixonada por cinema, literatura, música, arte e pessoas. Especialista em Cinema e mestranda em Estudos da Mídia (PPgEM/UFRN). É diretora deste site.

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10 anos atrás

[…] cumpre satisfatoriamente a sua função de “cinema entretenimento” e é, ao lado de “Minha Mãe é uma Peça” e “Cine Holliúdy”, uma das raras produções nacionais de comédia que me agradaram […]

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9 anos atrás

[…] invadisse a minha mídia favorita para que eu, enfim, lhe desse atenção: no ano passado, quando  “Minha Mãe é uma Peça – O Filme” estreou, eu não tinha tantas expectativas para a obra. Fui assistir muito mais por desencargo de […]

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