Nebraska: a busca de um homem comum por sua redenção

O sétimo longa-metragem do cineasta norte-americano Alexander Payne, “Nebraska” (2013), talvez seja o mais próximo de sua história. Bem como Woody Grant, personagem de Bruce Dern, o diretor nasceu no estado das grandes planícies da região central do país. Embora tenha nascido em Omaha (maior cidade do estado) e não tenha vivenciado o cotidiano dos fazendeiros e moradores do interior, Payne entende o sotaque e as dificuldades dos moradores e mostra os problemas do declínio econômico daquela região, que já fora extremamente frutífera e produtiva para sua nação.

NEBRASKA
David (Will Forte) e Woody Grant (Bruce Dern) pai e filho em busca de suposta fortuna

O filme, rodado em preto e branco, trata da história de um senhor de idade, que mora em Billings (capital do estado de Montana), e acredita ter ganhado U$ 1 milhão, em um folheto de assinatura de revista, e quer chegar até Lincoln (capital de Nebraska) para reclamar seu prêmio. Depois de ser pego na estrada a pé, tentando chega até Nebraska, seu filho mais novo, David (Will Forte, em um atuação sem sal) decide ajudá-lo. Eis então que se inicia o road movie, afinal, em todo filme de Payne seus personagens têm um trajeto a cumprir, seja em uma viagem de despedida de solteiro (Sideways – Entre Umas e Outras) ou em um espaço delimitado de algumas ilhas, como visto em sua penúltima produção, Os Descendentes (2011).

Woody me comoveu, seja porque ele é um velhinho, seja porque já estava em processo de esclerose, ou ainda porque eu gostei muito da atuação de Bruce Dern. Casado com uma senhorinha mandona e preocupada, Kate (June Squibb está excelente como velhinha rabugenta), que vive reclamando das sandices do marido, Woody é um homem de poucas palavras, um tanto teimoso e alcoólatra que quer comprar uma caminhonete nova e um um novo compressor com o dinheiro de seu prêmio, desejos tão simplórios que por vezes fiquei com vontade de abraçá-lo.

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Ao longo da viagem de pai e filho, vemos um cenário tipicamente campestre, com pradarias, tratores, motocicletas, trem e todos os detalhes típicos da região centro-norte dos EUA. Para desagrado de Woody,  eles vão ter de passar ainda em sua cidade natal, e encontrar com velhos amigos e familiares. A parada na casa de um de seu irmão vivo já denota que as coisas não estão lá muito bem pela cidade, seus dois sobrinhos estão desempregados e um cumpre pena por ter assediado sexualmente uma  mulher. Não há muito o que se fazer por ali, então desde cedo os homens passam a frequentar os bares e encher a cara.

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No elenco de apoio do longa, June Squibb (Kate) é a que mais se destaca

A relação entre a família Grant é revelada de modo sutil e com poucos diálogos, o que denota que não se conversa muito por ali e o que está feito está feito. David, que passa por uma crise em seu relacionamento, em busca de algumas respostas, questiona seu pai sobre como ele percebeu que era a hora certa de casar e a resposta do velho foi: “porque sua mãe quis”, simples assim. À medida que pai e filho convivem, David que só enxergava seu pai como um bêbado pouco interessado nos filhos, percebe que seu progenitor é um homem bom e ajudou muitas pessoas em sua vida e que ambos têm mais em comum do que ele poderia imaginar.

O ar “despretensioso” e a história de pessoas comuns estampadas na telona invariavelmente causam uma identificação no público, talvez essa seja uma das principais características acerca dos trabalhos de Alexander Payne, que nesse longa deixa o roteiro a cargo do estreante Bob Nelson e só dirige. Uma das coisas mais interessantes que percebi no filme é a solidão. Os pais, que durante a vida toda estiveram ao redor dos filhos, tomando conta e ensinando-lhes tudo, na terceira idade buscam pela atenção dos rebentos, agora independentes e com suas próprias famílias e vidas. Por diversas vezes a matriarca diz que os filhos não lhe dão atenção e não perguntam o que ela quer. A argumentação do roteiro consegue conciliar momentos cômicos agradáveis em contraste com sensíveis passagens que evidenciam a dificuldade de envelhecer, olhar para o passado e tentar o caminho para  a redenção.

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A notícia sobre o prêmio se espalha e a cidade inteira quer tirar uma lasquinha do dinheiro de Woody

A relação entre pais e filhos move o longa, porém de forma sutil e comovente, permitindo a identificação por parte do público  com os bem construídos personagens e suas relações entre si. Alexander Payne está afinado, conseguindo aproveitar ao máximo do roteiro e fazendo o elenco se entregar de maneira primorosa. O destaque vai para Bruce Dern, que por sua atuação conquistou a palma de ouro em Cannes, no ano passado. O papel que fora escrito para Jack Nicholson encontra em Bruce o intérprete perfeito, confesso que não consegui imaginar de forma alguma o Nicholson no papel. Dern tem um o olhar desnorteado, um ar de pai preocupado, sensível e arrependido, que busca achar um caminho para consertar os erros cometidos no passado.

A fotografia é um dos aspectos mais interessantes da produção. Na cidade sem  eira nem beira onde boa parte da história é rodada, tudo parece sem futuro, sem perspectiva e sem vida, talvez por isso que a fotografia tenha uma importância tão grande neste filme, a vida das pessoas no interior macambúzio é apagada e sem brilho, tão sem graça quanto o ar fracassado de David e o jeito confuso/bêbado/sonhador de Woody. Os créditos vão para o diretor de fotografia Phedon Papamichael, que usou da técnica do preto e branco sem maneirismos, afetações ou querendo emular filmes de décadas passadas.

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Outro aspecto a se ressaltar no longa é a trilha sonora de Mark Orton, um country melancólico, que muito combina com a proposta de filme de estrada, sem grandes orquestrações ou temas apoteóticos, o violão, a sanfona e o piano são os principais instrumentos utilizados nas composições.

Sem tecnologias moderníssimas, “Nebraska”, apesar de parecer pessimista, nos mostra que as futuras gerações ainda podem nos surpreender positivamente. Quem espera uma megaprodução certamente não irá encontrar nada de interessante ao assistir ao novo trabalho de Alexander Payne, mas aqueles que buscam por algo mais humano e cativante certamente acabarão se identificando e comprando a proposta afetiva do longa, um filme honesto sobre redenção.

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Leila de Melo
Uma míope quase sempre muito atrasada, cinéfila por opção, musicista fracassada e cronista das pequenas idiotices da vida. Pra sustentar suas divagações é jornalista, roteirista e fotógrafa.
Leila de Melo

Leila de Melo

Uma míope quase sempre muito atrasada, cinéfila por opção, musicista fracassada e cronista das pequenas idiotices da vida. Pra sustentar suas divagações é jornalista, roteirista e fotógrafa.

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