“Projéteis eram atirados de lançadores de granadas de gás lacrimogênio, e policiais isolados infiltravam-se pela multidão, ostentando máscaras com duas câmaras de filtragem, saídas de alguma sinistra história em quadrinhos. (…)
Quanto mais visionária a ideia, mais pessoas ela deixa pra trás. É contra isso que eles estão protestando. Visões de tecnologia e riqueza. A força do cibercapital que vai mandar gente pra sarjeta, pra estrebuchar e morrer. Qual é a falha da racionalidade humana?
Ela finge não ver o horror e a morte causados pelos esquemas que ela constrói. Esse protesto é contra o futuro. Eles querem deter o futuro. Querem normalizar o futuro, impedir que ele domine o presente.”
O trecho acima é do livro Cosmópolis (Companhia das Letras), de Don DeLillo, escrito em 2003 e ambientado em Nova York. Mas bem que se parece com o Brasil que temos hoje.
A questão é que não importa tanto o lugar ou a época, nossa ideia de futuro nunca é das melhores. Quando o projeto da Copa de 2014, e Olimpíadas de 2016, nos foi oferecido, em maquetes virtuais, em que as metrópoles brasileiras finalmente chegariam ao primeiro mundo (claro, só neste mundo virtual aconteceu de fato), obviamente não compramos. O povo não comprou. Soube que tudo aquilo custaria muito dinheiro público e seria à base de desapropriações injustas. Tal como a narrativa de DeLillo, a visão utópica do futuro não nos inclui lá. E por isso o brasileiro foi às ruas confrontar policiais, levantar bandeiras, discussões, e, recentemente, assassinar jornalista.
Lemos clássicos como Admirável Mundo Novo, 1984, A Estrada, Farenheit 451 e tantos outros. Mas nem só na literatura encontramos a visão distópica do futuro. Também no cinema e nos quadrinhos costumamos olhar para o passado com romantismo e, e o horizonte, sempre apocalíptico.Mesmo quando deu-se início as manifestações, que partiram de uma clara insatisfação com a situação do país, nós ficamos embevecidos com a ideia de uma nova era, em que o gigante havia acordado. O futuro, finalmente, era nosso. Não foi.
Pode ser que seja do ser-humano, essa insatisfação com o presente, a achar que está tudo indo para o inferno. Darwin explica.
Afinal, sempre não começamos um argumento ideológico sobre “o mundo que queremos deixar para os nossos filhos e netos”? Seja como for, a hora é de crise. Batendo a porta da barbárie. Não quis escrever sobre outro tema que não este. Só fiz uma breve introdução passando pela literatura, sobre uma reflexão de que acho que o momento é do brasileiro tirar a cabeça das nuvens, deixar de olhar tanto para a sua ideia pessoal de futuro e atentar para o que temos hoje, sobretudo na sua maneira de agir.
A desculpa de que tudo está absolutamente errado e precisa ser destruído para uma reconstrução moral, e a utilização da violência como método para qualquer ato político sempre foram as bases mais fortes para a formação de um Estado totalitário. Isto feito, aí então teremos nossa distopia literária mais que adequada.
Colunista de Literatura. Autor do livro de contos “Virando Cachorro a Grito”(2013). Vive pela ficção e espera no futuro poder viver dela.