O livro não é melhor que o filme!

Uma coisa que me irrita é quando alguém diz que o livro sempre é melhor que filme, principalmente, quando se fala em termos de adaptação. E o que mais me irrita é que o critério que eles sempre usam para fazer essa comparação é a maldita fidelidade.

Eu quero que a fidelidade se foda. As pessoas precisam entender que são duas linguagens completamente diferentes, uma coisa é o livro e outra coisa é o filme, o que funciona no papel pode não funcionar na tela  e vice-versa.

“No livro têm bem mais coisas”, essa é outra frase que é sempre dita. A literatura consegue criar um fluxo muito maior de informações verbais, diria mais, VERBAIS! Prestem atenção nisso, o que no livro o autor pode passar páginas descrevendo, no cinema a informação é dada visualmente, em um plano, pode estar ali tanta informação, num olhar do ator, num movimento de câmera. Veja essa cena aqui embaixo do filme Taxi Driver, que o Scorsese considera a mais importante do filme, e preste atenção no que ele faz com a câmera.

Essa é a diferença, na forma como ambas as linguagens passam informação. Cinema é visual, minha gente! Quando você compara o livro ao filme você está apenas comparando o livro com a história do filme, nem sequer está comparando ao roteiro do filme – falaremos mais adiante. Você está negando tudo o que o cinema é nesta comparação. Voltando aquela frase “No livro têm bem mais coisas”, eu digo que as atuações do filme são melhores que as do livro. Opa! O que esse cara está dizendo? A direção de fotografia do filme também é melhor que a do livro. A trilha sonora com certeza também é melhor. Vê onde eu quero chegar?

Outra frase “No livro não é assim”! Eu disse que já ia chegar à questão do roteiro. Um filme não pode ser fiel ao livro, jamais, é impossível. Um exemplo: no livro está escrito “Lucas sente saudades”, como eu posso passar isso para a tela? Eu só tenho imagem e som. É claro que o personagem poderia simplesmente dizer “Estou com saudades”, mas isso seria cinematograficamente fraquíssimo, essa informação deve ser passada com imagens. Está vendo ai a diferença entre linguagens? Lembra-se do que eu disse antes sobre o que funciona no papel pode não funcionar na tela ? Pois bem, ai está um belo exemplo.

 

Apocalypse Now é uma “adaptação” de “O Coração das Trevas”. A história do livro se passa originalmente nas selvas do Congo no inicio do século XX, mas no filme ele a trouxe para a Guerra do Vietnã. E agora? Isso faz do Apocalypse Now um filme inferior por não ter sido fiel? Muitas coisas acontecem no set de filmagem, coisas que até mudam o roteiro original: atores têm ideias, a equipe tem ideias, o diretor tem ideias. O Coppola é famoso por sempre incorporar os acontecimentos do set ao filme, fazer improvisações, esses fatos são maravilhosamente mostrados no documentário “O Coração das Trevas”, do qual já fiz uma critica aqui pra o blog O Chaplin.

E no caso de Lolita, em que o filme segue uma narrativa bem diferente do livro? Você sabia que foi o próprio autor do livro que escreveu o roteiro? Pois bem, ele sabia das diferenças entre as linguagens, e fez o que tinha que ser feito.

É dito que o filme nasce três vezes: quando o roteiro é finalizado, quando as filmagens são finalizadas, e quando a edição é finalizada. Então, parem de pedir fidelidade, tantas coisas acontecendo na produção de um filme, tanta gente envolvida. O cinema não é um suporte mecânico feito para ilustrar um livro, o cinema é uma forma de arte que transmite a visão de seu autor – o diretor- e essa visão deve ser respeitada e defendida a todo custo. O filme é bom ou ruim devido aos seus próprios méritos cinematográficos, e não ao livro em que ele foi baseado.

Um bom exercício que eu recomendo que vocês façam, é ver um filme em uma língua que vocês desconheçam sem legendas. Você pode também ver em uma língua que conhece, ou até um filme que você já tinha visto várias vezes, mas veja sem legendas, talvez você veja um filme completamente novo. O importante aqui é focar nas imagens, o que Hitchcock chamou de um “cinema puro”.

O poder das imagens em ‘Um Corpo que Cai’

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Jonathan De Assis
Acredita piamente que o Pink Floyd é a maior banda de todos os tempos e que ninguém canta melhor que o Robert Plant. Tem o Scorsese como ídolo máximo e sabe que ele transformará o DiCaprio no novo DeNiro. Com Goodfellas aprendeu as duas coisas mais importantes da vida: Nunca dedure seus amigos e mantenha a boca sempre fechada.
Jonathan De Assis

Jonathan De Assis

Acredita piamente que o Pink Floyd é a maior banda de todos os tempos e que ninguém canta melhor que o Robert Plant. Tem o Scorsese como ídolo máximo e sabe que ele transformará o DiCaprio no novo DeNiro. Com Goodfellas aprendeu as duas coisas mais importantes da vida: Nunca dedure seus amigos e mantenha a boca sempre fechada.

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