O mundo inteiro nos palcos em sete atos

Assim como a criação em sua concepção religiosa, a série de espetáculos do festival O Mundo Inteiro é Um Palco perdurou por sete dias, durante os quais a cidade de Natal, em meio à sua rotina de carros em demasiado, dias que começam mais cedo em função do nascimento precoce do sol, e noites que emergem às 15h da tarde, quando a lua desponta, respirou teatro. De 25 a 31 de outubro, passaram pelo Barracão dos Clowns de Shakespeare risos, lágrimas, olhares encantados, incomodados e surpresos. Além de sonhos e a paixão pela cultura que reside em cada um – organizador, ator ou público. Sete espetáculos, sete atos. E eis que abrem-se as cortinas:

1º ato: o boi e a sua galadice

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Era uma tarde clara e o mundo inteiro não estava em palco, mas em festa. A alegria irradiava as ruas de Nova Descoberta com todo aquele som, as cores, os sorrisos. A cerimônia sagrada de batismo e consagração do Boi Galado foi uma comemoração cheia de encantamentos. O pernambucano Boi Marinho coroou e abriu alas pra chegada de um boi tipicamente natalense, a começar pelo nome e a característica que isso atribui. E lá se foi o cortejo! Comemorando com o povo e a cidade o nascimento de mais um filho da cultura potiguar.

2º ato: pra morrer de amor

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A troca de votos na promessa de estar “na alegria e na tristeza até que a morte nos separe” nunca foi tão levada a sério e tratada de forma tão poética e lúdica ao mesmo tempo. As contradições de testemunhar uma Casatória c’a defunta, portanto já tendo a morte que separa os noivos, não poderia ser mais encantadora. Todos os detalhes, do figurino à trilha sonora, mexem com todos os sentidos humanos mais o coração! A cada lembrança, um suspiro de paixão e saudade de ter presenciado um dos casamentos mais bonitos em toda vida e quiçá até a morte.

3º ato: cadê a criança que estava aqui?

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Conversas cotidianas, atividades cotidianas, o noticiário, a cidade, a floresta. Uma senhora idosa estranha no meio do caminho. Estava tudo aparentemente normal. Até que uma criança some. E outra. E outra. E quem se importa? “Desaparecidos”, do grupo Estandarte de Teatro, é uma montagem agoniante, intrigante, dá medo, dá aquele embrulho de quando o teatro o bom é suficiente para incomodar a gente. É, ainda, uma crítica social disfarçada de montagem. Mas uma montagem pode também ser uma crítica social, então não é necessário o disfarce. Nem mesmo a presença. Desaparecem e deixam conosco mais perguntas do que respostas. E não é essa a função da arte?

4º ato: como uma bomba

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Sei que estava tudo normal. Todos riam e se entreolhavam sem desconfiar nem por um minuto que tudo tava prestes a explodir. Até alguém começar a levantar o braço e quem se atrevesse a imitá-lo era surpreendido com um abraço, desses calmos como uma bomba. O afeto era só pra dizer que “a coragem quando se junta com o amor é o que há de mais revolucionário”. E quando tudo explodiu, quase não dava pra acreditar que as palmas se converteram em braços levantados com um pouco mais de amor e um pouco mais de coragem. Porque bem, a Bololô Cia. Cênica trazer “Amor coragem” do poeta e sergipano Pedro Bomba acaba por nos dar voz à ousadia e ao arrepio.

Mas era só o começo…

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Afinal, depois de uma explosão é necessário evocar os mortos. E isso, meus caros, foi como enfiar um dedo todo sujo nas mais latentes feridas. Demora um tempo pra entender quando Tânia interpretava e quando Tânia era apenas Tânia. Até perceber que ela sempre ajeitava e fixava os pés ao chão, baixava a cabeça e recebia a personagem como um espírito à paisana dentro dela mesma. E dessa forma, ia se desmontando, desmontando sua arte, desmontando todos nós presentes ali. E me pergunto desde então o que eu faço pra esquecer essa mulher… como eu vou fazer pra esquecer a ideia de esquecer essa mulher. Porque não, não vai dá pra esquecer o que é ser atingido por uma bomba.

5º ato: é pra rir ou pra chorar?

Algumas pessoas riram da risada nervosa do ator em cena. Talvez porque ele estivesse vestido de palhaço. Talvez porque compartilhavam de um humor negro o qual eu não entendo. “Palhaços” (SP) é uma dessas montagens intensas, que te arrematam de uma forma ou de outra. Seja pelos risos, pela empatia com as figuras meio bizarras, meio engraçadas ou por seu texto envolvente, que desvela a cada novo momento do diálogo um aspecto da personalidade intrigante de um palhaço e seu fã, interpretados pelos maravilhosos Danilo Grangheia e Dagoberto Feliz. Ambos em busca de mudanças em suas vidas. E quem sai transformado da peça? Bem, eu saí.

6º ato: tudo estava virado

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A história de Quincas Berro d’Água ganha a proporção que merece, com mais água do que berro. O cachaceiro mais famoso de Jorge Amado tem cheiro, barulho, tons e gostos para ter sua dignidade mantida viva enquanto o próprio está morto bem morto. Os olhos nem piscam direito pra poder captar os detalhes que ganham outra perspectiva com tantos efeitos em poucos elementos. É pra rir, mas também é pra apreciar cada gota derramada em nome de Quincas, que merece!

7º ato: a transformação de todas as formas de amor

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O amor tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O amor é paciente, o amor é bondoso. O de mãe também e principalmente. E Alzira suporta por 18, 19 ou 20 anos, perdeu as contas, de ausência. Aceita todas as 18, 19 ou 20, ou até mais, transformações. E continua amando, continua preparando a receita preferida de Moacir que desapareceu e nunca mandou uma carta sequer pra reparar a dor dos pais e consolar a madrinha Noélia.

Até que sem bater na porta nem pedir licença, Indienne entra na vida do casal pra consertar essa bagunça (ou bagunçar ainda mais?). Pra dizer que Moacir já não pode mais limpar o “Avental todo sujo de ovo” nem as mágoas causadas pela saudade e os orgulhos feridos. Mas também pra mostrar que o amor é tudo que importa.

*texto com colaboração de Andressa Vieira

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