O Passado: novo filme francês do cineasta iraniano Asghar Farhadi

 “O Passado é um filme francês”. Essa foi a afirmativa que emblemou os comentários iniciais à respeito da obra, na temporada em que a mesma concorria a diversos festivais europeus, e onde era apresentada como um filme iraniano, a despeito de ter sido filmado na França, em seu idioma, e com um capital de onze milhões de euros advindos da terra de Godard. E o que isso quer dizer?

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A força que emana da emergente comunidade muçulmana na Europa vem agora timidamente penetrando nas frestas do círculo de produção cultural daquele continente e deixando sua marca; até o momento, “O Passado” conta com seis prêmios e dez indicações, incluindo aí o Globo de Ouro, além de ter representado o Irã como candidato ao Oscar de filme estrangeiro, o que gerou certa polêmica na imprensa americana e europeia. Porém, quando sabemos que a direção ficou a cargo de Asghar Farhadi, entendemos que foi por uma questão óbvia que os aiatolás reclamaram para si a procedência da obra: o referido cineasta foi o vencedor do Oscar de filme estrangeiro em 2012, por “A Separação”.

Como em seu filme anterior, Farhadi ancora sua trama nas implicações advindas das relações familiares (uma das marcas do cinema iraniano). A narrativa tem como ponto inicial o regresso de Ahmad à Paris, a pedido de sua ex-mulher Marie, e tem por objetivo dar um fim a um processo de divórcio que tramita entre os dois.

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Hospedando-se na casa de sua ex-esposa, Ahmad adentra em um ambiente de cisões e de linhas tênues que, se cruzadas, resvalarão em ressentimentos e culpa. Há uma relação conflituosa entre Marie e sua filha Lucie, profundamente deprimida e desolada por um relacionamento entre sua mãe e Said, um homem resoluto que tem sua carga de amargor figurada em sua mulher em estado de coma.

A princípio, Ahmad mantém-se como um observador passivo dos atritos no qual estão inseridos os personagens, mas não tarda para que o mesmo seja envolto em uma teia de conflagrações, onde ele abdica de sua parcialidade a favor dos outros, e também por seus “fantasmas” pessoais. No decorrer da obra, as personas vão perdendo suas malhas de segurança e mostrando-se figuras cada vez mais desamparadas; e é louvável que o diretor não opte pelo uso de flashbacks para explicar os contextos que eclodiram nos conflitos que vemos na trama. Mais interessante ainda é a forma como tomamos contato com esse passado, que se dá através de falas certeiras e sucintas de alguns personagens: expondo suas inseguranças, eles nos lançam uma carga emocional que nos ajuda a delimitar o “passado” sugerido pelo título (o pretérito tem forma enevoada, pouco objetiva e confusa).

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É redundante afirmar que os personagens estão cativos por fantasmas do passado; mais do que isso: eles estão impossibilitados de dar um passo adiante, atados às conformidades do presente, como Lucie, que mesmo detestando o ambiente familiar não consegue ir embora; ou mesmo Said, que com sua mulher em estado vegetativo, não consegue se firmar amorosamente com Marie.

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A estória segue com arranjos de McGuffins em um encadeamento de circunstâncias consoantes, de pouca previsibilidade e que culminam em um desfecho de afabilidade visual cândida. Pontos para Farhadi, que com a sensibilidade ímpar dos cineastas iranianos consegue mostrar o passado como um recinto íntimo, que se deixa transparecer nas palavras e atitudes das pessoas, contrastando com a abordagem de um passado como um espaço-temporal idealizado e distante, usualmente mostrado no cinema como a única representação de passado possível. Que a Europa seja tomada mais vezes de assalto pelos cineastas iranianos.

le-passe-past-posterFICHA TÉCNICA

Título no Brasil: O Passado
Título Original: Le passé
País de Origem: França/Itália
Gênero: Drama
Tempo de Duração: 130 minutos
Ano de Lançamento: 2013
Estúdio/Distrib.: Memento Films Production
Direção: Asghar Farhadi

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Fernando Lins
Abandonou a escola logo cedo porque não conseguia aprender nada. Cursou História na UFRN, para mais uma vez descobrir que as instituições de ensino são “gulags” que destroem todo e qualquer sentido genuíno de saber. Hoje, exilado em Campina Grande-PB, dedica-se ao anarquismo espiritual.
Fernando Lins

Fernando Lins

Abandonou a escola logo cedo porque não conseguia aprender nada. Cursou História na UFRN, para mais uma vez descobrir que as instituições de ensino são "gulags" que destroem todo e qualquer sentido genuíno de saber. Hoje, exilado em Campina Grande-PB, dedica-se ao anarquismo espiritual.

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