Os Incríveis 2: precisamos respeitar Brad Bird

Brad Bird coleciona sucessos dirigindo e escrevendo animações. Levou os Oscar’s de Melhor Animação por Os Incríveis (2004) e Ratatouille (2007) – também somando indicações de Melhor Roteiro Original por ambos – e ainda tem no currículo o adorado O Gigante de Ferro (1999). Após 14 anos, o cineasta encontrou algo relevante o suficiente para o fazer revisitar um de seus trabalhos.

Os Incríveis 2 (2018) começa exatamente onde terminou o filme anterior. Depois de tentar impedir o Escavador, a família Pera é duramente criticada pelo Governo, que volta a coibir a ação dos super-heróis. Para mudar o panorama, o milionário Wilson Deavor contrata o Sr. Incrível, a Mulher-Elástica e Gelado para, juntos, darem outra perspectiva à opinião pública.

A estrutura narrativa do roteiro praticamente não oferece diferenças entre os dois capítulos. Em ambos, vemos um dos pais trabalhando clandestinamente como herói enquanto o outro cuida do lar. Os vilões apresentam motivações ligadas a mágoas pessoais e existe alguma repetição temática.

Numa das diferenças, o mistério em relação à identidade do Hipnotizador faz parte da trama. Porém, chegar à conclusão não é nem um pouco difícil. Tal previsibilidade, que normalmente me incomoda, e a repetição de estrutura até fazem sentido aqui, já que se trata de uma continuação de uma animação Disney/Pixar voltada para um público infanto-juvenil.

Tirando esses elementos que podem enfraquecer a produção para alguns – não para mim, é preciso reconhecer a grande inteligencia e a atualidade do roteiro. Não se trata “apenas” de uma obra planejada para crianças e os pais que as acompanham, mas também de um discurso importante.

A primeira atitude louvável do roteiro de Bird é colocar uma mulher em posição de destaque e relevância. O Sr. Incrível agora é coadjuvante – e poucas franquias têm a coragem de diminuir o espaço de sua personagem principal! A nova protagonista é a Mulher-Elástico, que deixa de ser “apenas uma mãe” para também centralizar a trama.

A matriarca ganha destaque por ser mais eficiente que seus companheiros. Agora é ela quem se esgueira por becos ouvindo a rádio da polícia atrás de bandidos, quem combate o crime e sente a ovação dos fãs. Mas é curioso como o filme aborda isso sem esquecer o seu lado mãe, mostrado na cena em que, durante uma perseguição em alta velocidade, recebe a ligação do filho que não sabe onde estão os tênis. As mães nunca trocam de chip, conseguem ser várias coisas ao mesmo tempo.

E o espaço feminino não se restringe à matriarca dos Pera, mas também a outras personagens. Nesse ponto, é legal perceber como a genial Evelyn Deavor aceita ser a sombra de seu irmão Wilson. Ela não o faz por ser subjugada, mas porque quer. Não lhe interessa estar no centro dos holofotes, mas nos bastidores criando.

Outro acerto da produção é a inversão de valores nos padrões familiares. Enquanto a mulher sustenta a casa, o homem cuida do lar. A árdua tarefa de Beto é mostrada com um brilhante bom humor e faz sua antiga vida parecer lazer.

Criar uma família deve ser uma parceria e Brad Bird sabe muito bem o valor disso. Tanto que deu para o seu antigo protagonista uma missão ainda mais complexa e com menos glamour, tanto que ele próprio, dando sua voz para Edna Modas na dublagem original, fala que a paternidade é heroica, desde que feita corretamente!

Ainda sobra espaço no roteiro para ambiguidade moral, quando os pais precisam sair de casa para cuidar da família ou infringir a lei para que ela seja repensada; e para a influência da mídia, que pode construir ou destruir reputações, dependendo do direcionamento.

Além de toda essa qualidade, é eficiente no quesito entretenimento. As cenas de ação são estupendas, cheias de ritmo e vigor. O humor é excelente, com piadas realmente hilárias – Zezé é a melhor personagem! A qualidade gráfica tem que ser ressaltada, a evolução é nítida nesses 14 anos. Em alguns momentos dá pra perceber o tecido dos trajes e a iluminação é muito realista.

Michael Giacchino retorna para fazer a trilha sonora e entrega mais um trabalho excelente. A música dá o tom nas cenas mais sutis e cresce nos momentos de ação. A influência de franquias como 007 e Missão: Impossível é perceptível, mas jamais beira o plágio.

Brad Bird transformou Os Incríveis 2 em um filho maduro. Dá personalidade, profundidade e um discurso pertinente. Conduzindo com responsabilidade, reaparece para elevar o patamar da Disney/Pixar. E além de tudo, entrega um entretenimento que só não é perfeito porque é mais longo do que deveria, se desgastando nos 20 minutos finais. Sem medo, digo que Bird entregou em dois filmes muito mais do que a Marvel em todo o seu Universo!

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João Victor Wanderley
Radialista por formação e jornalista em formação. Minha paixão pelo cinema me trouxe ao Chaplin; minha loucura, ao Movietrolla. Qualquer coisa, a culpa é d’O Chaplin… E “A Origem” é o maior filme de todos!
João Victor Wanderley

João Victor Wanderley

Radialista por formação e jornalista em formação. Minha paixão pelo cinema me trouxe ao Chaplin; minha loucura, ao Movietrolla. Qualquer coisa, a culpa é d'O Chaplin... E "A Origem" é o maior filme de todos!

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