Para cinéfilo, acompanhar o circuito comercial americano é meio como acompanhar o Campeonato Brasileiro, para fã de futebol. Você xinga, diz que só vai torcer para time europeu, se recusa a assistir algumas partidas, tenta esquecer, se emociona e põe a mão no fogo por um time, mas quando chega na final do campeonato, sempre está lá, gritando pelo favorito e sorrindo tolamente para o mundo se ele consegue ganhar. Se a situação é contrária, o discurso já está pronto: “o sistema não presta, o juiz foi comprado, deu azar, ninguém sabe julgar cinema (futebol?) nesse país”. Mas o que importa é que é sempre emocionante assistir ao Oscar! Nenhuma premiação acumula tanta história, tradição e glamour quanto a da Academia norte-americana. E quando ela atende às nossas expectativas, acontece isso: a escriba fica contente e vai escrever um texto elogioso sobre o quão linda foi a noite de domingo, dia 02 de março, na entrega dos Oscars 2014.
Os amigos vão me perdoar a demora pela postagem desse texto, mas a semana foi dedicada à comemoração pelos bons resultados. Mas agora, eis que retorno para narrar-lhes como se sucedeu a noite mais justa do Oscar a que já acompanhei. É bem verdade que, com pizzas, selfies, raspadinhas e a queda da Jennifer Lawrence (sim, mais uma), faltou “glamour”. É bem verdade que ninguém fez grandes performances cênicas, e que a cerimônia foi enxuta. Alguns até a têm chamado de “morna”. Mas pra quem tinha como maior objetivo torcer e prestigiar os resultados, e não alegorias, eu posso dizer seguramente: de morno o Oscar deste ano não teve nada!
Optando por iniciar com uma das categorias mais esperadas, Anne Hathaway (vencedora do prêmio de melhor atriz coadjuvante do ano passado) entrou no palco para chamar o vencedor do prêmio de “melhor ator coadjuvante”. O resultado já era esperado, Jared Leto (Clube de Compras Dallas) foi o vencedor e fez um emocionante discurso de agradecimento a sua família e dedicado às pessoas que perderam a luta contra a aids.
Depois disso, primeiro momento what the fuck da noite: desenterraram Jim Carrey, que fez qualquer piada sem graça com Bruce Dern, algumas pessoas forçaram risos em nome dos bons costumes, e passado o momento constrangedor, Kerry Washington aparece e chama Pharrel Williams para o primeiro número musical da noite, “Happy”, música tema de Meu Malvado Favorito 2, que concorria ao Oscar de melhor canção original. A apresentação foi descontraída e curta, logo dando espaço para o próximo prêmio da noite.
Samuel L. Jackson e Naomi Watts apresentaram o prêmio de melhor figurino, que foi para o filme de Bahz Lurhmann, O Grande Gatsby, também um prêmio justo. Logo em seguida, emendaram o prêmio de melhor maquiagem e cabelo, um dos mais óbvios e nonsense da noite. Clube de Compras Dallas concorria contra um filme qualquer da franquia Jackass, e contra O Cavaleiro Solitário (que, convém dizer, foi premiado e tudo pelo Framboesa de Ouro, prêmio ofertado às piores produções do ano). Sendo assim, a estatueta ficou mesmo para Clube de Compras Dallas, porque afinal, ainda existe juízo na Academia.
Outra coisa interessante do Oscar é que convidaram atores que fizeram personagens icônicos do cinema para apresentar alguns momento, e o primeiro foi Harrison Ford, que entrou no palco ao som da música tema de Indiana Jones para apresentar três dos filmes que concorriam ao prêmio principal da noite. Em seguida, Channing Tatum também apareceu por trinta segundos, ou quase isso, para apresenta o Team Oscar, um grupo de seis jovens cineastas adotados pela academia através de curtas de 60 segundos. Aplausos. Valeu, moçada. E vamos voltar ao que interessa.
Kim Novak e Matthew McConaghey sobem ao palco para apresentar a categoria de melhor curta de animação. O sensível Mr. Hublot desbancou Disney e Mickey (Get a Horse!) e levou, merecidamente o prêmio para casa. Resultado interessante e bastante grato. Sem muitas delongas, a mesma dupla chamou também o vencedor de melhor longa de animação. O resultado, também esperado e bastante previsível, foi a mais nova animação da Disney, Frozen.
Depois da pausa para comoção nas mídias sociais, é a vez de Zac Efron ter seus minutos de fama no palco do Oscar, e apresentar um dos mais bonitos números da noite: Karen O e Ezra Koenig cantando “The Moon Song”, música que compõe a trilha sonora do filme Her, e que também concorria na categoria de melhor canção original.
Então entramos naquela parte do Oscar que ninguém dá muita atenção. Os espectadores tiram um cochilo e os convidados saem para fumar um cigarro ou beber um gole de água. A sempre linda Kate Hudson e o ator Jason Sudeikis chamaram os vencedores dos prêmios de melhor curta metragem (Helium) e melhor curta de documentário (The lady in number 6). Em seguida, Bradley Cooper apresentou o prêmio de melhor documentário que foi para o filme “20 feet from stardom”, sobre cantoras talentosas que nunca conseguiram os holofotes.
Em seguida, foi chamado o prêmio de melhor filme estrangeiro. Apresentado por Viola Davis e Ewan McGregor, a estatueta ficou com o italiano A Grande Beleza. Mas a real beleza da noite veio em seguida, com a entrada do galã Brad Pitt (suspiros), que chamou ao palco a banda irlandesa U2 para apresentar a sua música também concorrente ao prêmio de melhor canção original “Ordinary Love” (Mandela). A apresentação foi bem morna, com um Bono um tanto desafinado, e a banda um pouco apagada. Passou longe de ser um dos grande momentos da noite, como muitos esperavam.
E por falar em U2, aqui preciso abrir um parêntese para uma das fotos mais icônicas da noite. Benedith Cumberbatch trollando a banda irlandesa. Hilário!
Voltando à premiação, a partir daí, o que se sucedeu foi um balaio de prêmios para Gravidade, que arrebatou quatro categorias técnicas seguidas, confirmando todo o favoritismo do filme nesse quesito. Os prêmios foram: mixagem e edição de som, fotografia e montagem. A pausa se deu apenas para a entrega do prêmio de melhor atriz coadjuvante para Lupita Nyong’o por Christophe Waltz. Um momento muito bonito, por sinal, foi notável a emoção da atriz e o significado do prêmio para ela, e todas as concorrentes parecerem satisfeitas com o resultado, aplaudindo alegremente o prêmio da atriz queniana.
A essa altura, Trapaça se direcionava ao prêmio de maior fiasco dessa edição do Oscar. 10 indicações acumuladas e nenhuma estatueta – até então. Tive certeza que sairia ao menos um prêmio de consolação e apostei minhas fichas que ele seria algo na área de produção ou, mais dificilmente, roteiro. Então, quando Jennifer Garner e Benedict Cumberbatch anunciaram a vitória de O Grande Gatsby na categoria de design de produção, fiquei realmente surpresa. Mas não que não merecesse, como comentei, na verdade Baz Luhrmann merece todos os prêmios de estética nos quais conseguir colocar as mãos.
Em seguida, John Travolta aparece ao som da música tema de Pulp Fiction e convida Idina Menzel (ou seria Adela Dazeem? vejam o vídeo para entender a piada) ao palco para a mais bonita performance da noite: sua apresentação de “Let it go”, música tema de Frozen e que posteriormente foi anunciada por Jessica Biel e Jamie Foxx como vencedora do prêmio de melhor canção original.
Na mesma leva veio também o sexto e penúltimo Oscar de Gravidade, por melhor trilha sonora. Apesar de achar um trabalho brilhante, penso que a sensibilidade de Ela merecesse ser prestigiada nessa categoria. Foi um dos poucos prêmios que julguei injustos na noite.
E eis que finalmente começam a ser anunciados os prêmios mais esperados da noite! Robert De Niro e Penelope Cruz anunciam melhor roteiro adaptado para 12 anos de escravidão, finalmente fortalecendo o nome para o último prêmio da noite. Já “melhor roteiro original” ficou para Ela, que teve o gosto de não sair de mãos abanando da premiação. O alívio de Ela veio acompanhando a angústia do elenco e dos envolvidos em Trapaça, que aos poucos perdiam as esperanças de levar uma estatueta para casa.
O prêmio de melhor diretor veio para coroar definitivamente Gravidade. Alfonso Cuarón foi o primeiro diretor latino-americano a levar a estatueta para casa, cravando seu nome profundamente na história do Oscar e do cinema. Seus esforços e trabalho enquanto realizador e, sobretudo, criador foram reconhecidos. Sete prêmios para Gravidade, e paramos por aqui. Mas na premiação, a categoria de melhor diretor fortaleceu o filme e pairou a dúvida: Gravidade arrebataria o prêmio que parecia certo para 12 anos de escravidão?
Melhor atriz e melhor ator foram, definitivamente, os dois prêmios mais ansiados da noite. Digo isso porque o resultado de “melhor filme” já estava relativamente evidente e a tensão maior residia, de fato, nesses dois prêmios. Para o prêmio de melhor atriz, embora a competição estivesse acirrada, havia uma torcida majoritária para Cate Blanchett, que fez um trabalho excepcional em Blue Jasmine, e ainda carecia de um Oscar de Melhor Atriz. Mas os fantasmas da popularidade de Sandra Bullock e da declarada superioridade de Meryl Streep ainda assombravam. Blanchett chutou-os para bem longe e arrebatou o prêmio, para a alegria geral da nação, com um discurso sensato e emocionante, digno da lady que a australiana é. Uma curiosidade é que todas as atrizes que competiam, nos rápidos momentos em que apareceram durante o discurso de Blanchett, pareciam contentes com o prêmio, mostrando o quanto a atriz é respeitada não só pelo público, como também por seus colegas.
Em seguida foi a vez de Jennifer Lawrence subir ao palco (dessa vez, sem cair) para chamar o vencedor do prêmio de melhor ator. Fãs de Leonardo DiCaprio fizeram figa nas mídias sociais, mas quem levou o Oscar na categoria foi Matthew Macconaughey que, após beijar a esposa brasileira, subiu ao palco e agradeceu a todos de forma sincera. O rei das comédias românticas do início dos anos 2000 parece ter agora conseguido ânimo para voltar-se a um cinema mais sério, o qual ele provou ser capaz de fazer em Dallas Buyers Club.
Por fim, chega o momento ápice da noite, em que Will Smith (oi?) aparece para anunciar o prêmio principal, o de melhor filme. Confesso que não entendi muito o sentido de Will Smith ter sido o escolhido para tal finalidade, cogitei ser uma ironia pelo falo de ele ter ganho o Framboesa de Ouro do ano, ou a possibilidade de escolha pela cor da pele, já que o ator é negro e o filme que levaria o prêmio aborda uma história de escravidão… mas admito que se for esse o caso, seria de uma breguice extrema por parte da organização do evento. Fica o mistério.
Mas a questão é que foi através de Will Smith que 12 anos de escravidão foi coroado melhor filme do ano pela Academia Norte-Americana, fechando com chave de ouro o que foi, na minha opinião, uma das melhores (ou a melhor) cerimônias de Oscar da última década.
Momentos impagáveis
Já no tapete vermelho, Jennifer Lawrence roubou a cena (e sim, como ela não ganhou o prêmio deste ano, não vejo motivo para não prestigiar o seu bom humor) quando repetiu a dose do ano passado e caiu mais uma vez. Ellen Degeneres, a ótima apresentadora, fez questão de relembrar ambos os fatos em seu monólogo de abertura e acrescentou: “Não se preocupe, se você ganhar o Oscar deste ano, a gente leva até você”. Arrancou boas gargalhadas, inclusive de uma encabulada Jennifer Lawrence, acomodada na primeira fileira do Teatro Dolby, casa que sedia a premiação. Ainda no monólogo, Ellen acrescentou: “Temos duas hipóteses: primeira, 12 anos de escravidão vai levar melhor filme do ano; segunda, vocês são todos racistas”. A piada remete à campanha do filme favorito do ano, que baseava-se na possibilidade de redenção da academia com os negros.
Outro momento particularmente engraçado foi quando Ellen mencionou o fato de quase ninguém no meio artístico se preocupar em ter um diploma de grau superior – o que é um exagero, mas na hora foi divertido, porque a apresentadora olhou diretamente para Amy Adams e mencionou: “Não é Amy? Você não foi para a faculdade, foi?” A atriz balançou a cabeça um tanto constrangida, mas sem levar realmente aquilo a sério.
A mesma reação não aconteceu com Bradley Cooper ao receber uma raspadinha como “prêmio de consolação” de Ellen. O discurso era “alguns de vocês certamente sairão sem nada” e então, sem hesitar, deu a raspadinha acompanhada de uma moeda para Cooper, que não pareceu gostar muito e fechou a cara, guardando o presente no bolso.
Mas como, em dia de festa, o rancor dura pouco, algum tempo depois Bradley já estava fazendo um “selfie” ao lado da apresentadora e de outros colegas. Um dos momentos mais divertidos da noite, isso porque a foto mais divulgada e compartilhada do Oscar foi tirada sem grandes produções e filtros, de um celular que poderia ser meu, seu ou da Ellen, e todo mundo saiu com cara de “gente normal”. Tudo bem, o Kevin Spacey e a Julia Roberts nem tanto. Mas foi um momento interessante chamar atenção para que, no Oscar ou não, aqueles famosos são “gente como a gente”, que saem descabelados e engraçados em fotos e que correm para um selfie publicado no Twitter.
E óbvio que esse momento merece uma galeria de gifs toda especial:
Ainda do álbum “gente de verdade”, outro momento icônico desse Oscar foi a distribuição de pizza por Ellen para os convidados – ou ao menos alguns deles. A certa altura, ninguém levou a sério quando a apresentadora falou: “Vou pedir pizza, alguém quer?” Algumas mãos se ergueram, outros gargalharam, sem acreditar realmente que ela faria aquilo. Mas ela fez. Pediu pizza e como se não bastasse ainda levou o entregador para o palco para servir a pizza aos hollywoodianos – que comeram com a mão.
Confira a nossa galeria de imagens e gifs garimpados da internet:
E como se não bastasse, Ellen constrangeu a todos até que algumas gorjetas fossem doadas ao nobre rapaz. Algumas não vieram necessariamente em forma de dinheiro… Lupita Nyong’o, por exemplo, se desfez do seu brilho labial.
Se o rapaz for esperto certamente pode conseguir alguns dólares com ele no Ebay… ou talvez Ellen tenha tido essa ideia antes.
Homenagens
A primeira homenagem da noite foi prestada por Sally Field (Lincoln), sempre muito elegante, que subiu ao palco para um breve discurso sobre filmes que tiveram o papel de chamar atenção para lutas sociais, entre eles Erin Brockvich, estrelado por Julia Roberts, Filadélfia, estrelado por Tom Hanks, e Norma Rae, cujo personagem título é interpretado pela própria Sally Field. Um momento bonito que antecedeu o primeiro prêmio da noite recebido por Gravidade, o de melhores efeitos visuais, entregue por Emma Watson e Joseph Gordon-Levitt.
Outro homenageado da noite foi o filme “O Mágico de Oz”, que este ano completa singelos 75 anos desde que foi lançado. Para o momento dedicado à película foi convidada a cantora Pink, chamada ao palco por Woopy Goldberg, para uma performance de “Somewhere over the rainbow”. Vale lembrar que Liza Minelli – filha de Judy Garland, atriz que interpretou Dorothy – estava presente na cerimônia. A apresentação foi simples, também sem muitos enfeites e a cantora, que costuma ser um tanto exagerada em suas apresentações em premiações musicais, estava até contida desta vez.
Contudo, a melhor e mais divertida homenagem a “O Mágico de Oz” foi mesmo o momento em que Ellen Degeneres apareceu vestida de Glinda, a bruxa boa do filme. Icônico!
A última homenagem da noite, e talvez a mais emocionante, foi aquela prestada aos “heróis” do cinema mortos no último ano. Dentre os nomes presentes no slide show apresentado estavam Paul Walker, Peter O’Toole, Shirley Temple, Philip Seymour Hoffman e o brasileiro Eduardo Coutinho, que também foi lembrado. O momento foi seguido por uma apresentação de Bette Midler, que cantou lindamente “Wind beneath my wings”.
Prêmios especiais
Esse ano, os prêmios especiais da academia também foram mencionados na premiação, embora não sejam entregues na noite do Oscar. Os nomes que receberam os Oscars honorários foram: a atriz Angela Lansbury, o ator Steve Martin, o figurinista italiano Piero Tosi (representado por Claudia Cardinale) e também foi entregue um prêmio humanitário a Angelina Jolie, por seus trabalhos sociais (porque pelos filmes tá difícil, hein?).
Balanço final
Essa edição do Oscar teve dois grandes vencedores: 12 anos de escravidão, que levou o prêmio principal, e Gravidade, que mesmo sem a estatueta de “melhor filme”, saiu com a bagagem bem pesada: foram sete prêmios, incluindo melhor diretor. O grande fiasco da noite, contudo, foi Trapaça. Achei que a política de boa-vizinhança que geralmente presenciamos no Oscar não fosse permitir que o filme de David O. Russell saísse de mãos abanando, depois de ter sido campeão de indicações ao lado de Gravidade (dez indicações cada um). Mas foi isso mesmo o que aconteceu: “Trapaça” deixou a noite sem nenhum Oscar, o que não se pode exatamente chamar de um fato injusto. Ao contrário.
No fim das contas, os defensores das causas de gênero saíram contentes; a trupe pró-computação gráfica ficou feliz; os defensores das causas dos negros ficaram felizes; os fãs de Jennifer Lawrence ficaram felizes; os haters de Jennifer Lawrence ficaram felizes; os latino-americanos ficaram felizes; os australianos também tiveram motivos para se alegrar; a (grande) família Pitt-Jolie ficou satisfeita; só quem saíram tristes foram os fãs de Leo DiCaprio, que mais uma vez bateu na trave em sua corrida pela cobiçada estatueta e rendeu mais uma expressão para os gifs animados que circulam pela internet. Quem sabe no próximo ano, sim?
Jornalista, cinéfila incurável e escritora em formação. Típica escorpiana. Cearense natural e potiguar adotada. Apaixonada por cinema, literatura, música, arte e pessoas. Especialista em Cinema e mestranda em Estudos da Mídia (PPgEM/UFRN). É diretora deste site.
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