A 88º cerimônia do Oscar decidiu contemplar o processo de construção cronológica de um filme. Dessa forma, começou a premiação com a base de toda obra cinematográfica: o roteiro. Por melhor roteiro original, Spotlight foi o primeiro premiado da noite, com um script burocrático, mas eficiente. Logo a seguir A Grande Aposta levou por melhor roteiro adaptado, em uma categoria que nenhum vencedor seria injusto. Alicia Vikander, que pra mim é a verdadeira Garota Dinamarquesa da história, levou merecidamente a estatueta de melhor atriz coadjuvante.

A partir daí, Mad Max começou a passar o rodo em toda categoria que aparecia, levando 6 prêmios antes de chegarmos às categorias mais importantes da noite. Edição de Som, Mixagem de Som, Direção de Arte, Cabelo e Maquiagem e Figurino, que recriaram o mundo insano de Mad Max, foram merecidos. O filme de George Miller levou ainda Melhor Montagem, que pertencia, por direito, à edição ágil e moderna de A Grande Aposta, apesar dos méritos também existentes do filme vencedor.

A premiação seguiu premiando categorias menos glamourosas como Melhor Documentário (Amy foi o vencedor) e melhor animação (Divertida Mente), enquanto os números musicais iam rolando e a apresentação de Chris Rock concentrava todo seu humor em um único tema: a polêmica do #OscarSoWhite.
O discurso inicial foi até engraçado, politizado, reforçou que o que a comunidade negra queria não eram de fato indicações ou estatuetas, mas oportunidades. Mas como toda piada que perde a graça quando muito repetida, o assunto foi ficando cansativo e, ao meu ver, a Academia acabou perdendo pontos batendo nessa tecla excessivamente.
Voltando aos números musicais, assim como em 2015, Lady Gaga foi o destaque com sua interpretação de ‘Til It Happens to You, música que no fim perdeu injustamente a estatueta para a fraca canção original Writings on the Wall, do filme Spectre.

Na categoria mais concorrida da noite, onde qualquer um que vencesse seria merecedor, Mark Rylance levou o Oscar de melhor ator coadjuvante por sua atuação em Ponte dos Espiões, deixando um gostinho amargo pra quem torcia pelo prêmio que seria tão simbólico para a carreira de Stallone.

O Oscar de melhor filme estrangeiro ficou com o favoritíssimo Son of Saul e o gênio Ennio Morricone fez um discurso emocionado (e emocionante) ao receber seu primeiro Oscar, pela trilha sonora de Os Oito Odiados (o italiano já havia recebido um Oscar em 2007, mas pelo conjunto de sua obra).

A academia mostrou coragem ao dar o Oscar de melhor cinematografia pela terceira vez consecutiva o mexicano Chivo Lubezki, que definitivamente já escreve seu nome entre os grandes da sétima arte. Foi mais corajosa ainda ao manter (novamente pelo terceiro ano consecutivo) um mexicano em posse do Oscar de melhor diretor. Alejandro Iñárritu levou o seu segundo prêmio consecutivo (antes dele Alfonso Cuarón havia levado em 2014, por Gravidade) abrindo as categorias mais esperadas da noite.

Para melhor atriz, Brie Larson, com sua tocante interpretação em O Quarto de Jack. Embora todas as outras indicadas tenham merecido bastante suas indicações, nenhuma chegou ao nível de excelência que ela alcançou este ano.

Chegou então a categoria que deixou todo mundo nervoso: melhor ator. Fassbender e sua atuação marcante como Steve Jobs rondavam pelos corredores do Dolby Theatre como um fantasma que ameaçava o protagonista de O Regresso, mas DiCaprio confirmou seu favoritismo e acabou de vez com a saga em busca do primeiro Oscar. Para uma ator do seu calibre, a tendência agora é que ele comece uma pequena coleção dessas estatuetas douradas.


Quando Morgan Freeman subiu ao palco para anunciar o melhor filme do ano, quase ninguém imaginava que Spotlight seria coroado. Depois de premiar Birdman, cinemático e inovativo, no ano passado, acho que muitos esperavam que a Academia continuasse numa linha menos conservadora, mas não foi o que aconteceu.
Mais do que a incoerência de um ano para o outro, me incomoda a incoerência dentro da mesma premiação. Lembremos que a cerimônia começou ressaltando a importância da construção de um filme. Spotlight ganhou o primeiro (roteiro) e o último prêmio da noite. Entre estes dois, mais nada. Lembremos também que O Regresso havia pavimentado seu caminho com Melhor direção, Cinematografia e com a atuação de DiCaprio; mesmo Mad Max (que passa longe de ser meu favorito) havia levado 6 estatuetas, que representavam a construção visual e sonora de algo chamado cinema.
Spotlight não é um filme ruim, mas é conservador, morno. Falta a ele contundência (deixo claro que falta contundência ao filme, como obra cinematográfica, não ao seu tema e à denúncia que ele faz). Abriu e fechou a premiação, mas faltou o recheio, faltou algo que sustentasse de fato a escolha e deixou uma sensação de vazio em quem passou quase 4 horas esperando para ver o prêmio mais importante da noite.
