Literatura é arte. Mas também mercado. O maior lema da editora potiguar Jovens Escribas é enxergar a literatura como arte e o livro como um produto. Acho isso mais que justo. Afinal, por trás da obra há sempre um autor. Quando um escritor te dá o livro dele de presente, ótimo, bacana, parabéns, mas saiba que ele tá perdendo dinheiro com isso. E muito provavelmente, se for um escritor iniciante, essa grana só seria suficiente pra pagar os investimentos com gráfica e edição.

Prova de que o livro físico ainda é super necessário nos dias de hoje é que não tem quase ninguém que prefira e-books a folhas cheirosas de um livro novinho. Outro ponto importante é que o livro material, diferentemente do virtual, oferece experiências à parte. O livro ”Destrua este diário”, da editora Intrínseca, é excelente exemplo disso. A obra sugere total interação entre o leitor e o papel, com atividades, por exemplo, de desenhar nas páginas, escrever, atirar o livro de locais altos, etc.

Enquanto já é bem mais fácil ler na internet – ainda bem! -, publicar um livro e distribui-lo ainda é um processo caro e cheio de incertezas. Por causa disso, muitas editoras vêm comercializando todo tipo de coisa, além dos livros em si: camisetas, bottons, canetas, canecas… tudo. Até marcador de página está sendo vendido hoje em dia, já que virou artigo de colecionador.

POESIA NÃO VENDE

Eduardo Lacerda, da editora Patuá, é exemplo de que poesia é ainda melhor quando se gosta e acredita nela
Eduardo Lacerda, da editora Patuá, é exemplo de que poesia é ainda melhor quando se gosta e acredita nela

O que infelizmente se escuta muito no mercado editorial brasileiro é o velho ”poesia não vende”. Até pode ser verdade. Mas somente para quem não compra, somente pra quem não curte o gênero. Acho ok não gostar de poesia nem comprar livros de poema, mas acredito também que o gostar influencia no produto final. Claro que uma editora que não gosta ou acredita na poesia dificilmente fará um bom trabalho nessa área. Bom exemplo de maravilhosos editores de poesia é o Eduardo Lacerda, da fantástica Editora Patuá, e também Daniel Minchoni, do selo DoBurro. Ambos são donos de editoras independentes, e apesar de todas as pedras no caminho, produzem obras que dão de dez a zero em algumas de grandes editoras.

O Sérgio Sampaio já dizia: um livro de poesia na gaveta não adianta nada, lugar de poesia é na calçada. E desde sempre existem os poetas que vendem seus livros e fanzines no meio da rua. Esse ano, durante a FLIPIPA, vi de perto o trabalho de Pedro Tostes, um poeta à margem que veio de terras paulistas pra praia de Pipa e se sentiu em casa: trocou livro por cerveja, suou muito, falou poesia em voz alta… É isso. Vender livro de mão em mão é gostoso. Já fiz isso. É verdade que tem muita gente que não tá nem aí, nem responde quando você oferece pra dar uma olhada, mas tem gente que se encanta com seu trabalho e um sorriso supera tudo: as horas na rua, o sol quente, o cansaço, e, muitas vezes, até encrencas com a polícia.

Jorge Palhares, dono de um sebo em Mãe Luiza, afirma que os livros vendem muito mais quando o autor está presente. Claro. Primeiro porque os leitores querem o autógrafo e também porque estamos vivendo uma era de descobrir o autor como alguém vivo, presente, gente como a gente. Isso é muito bacana.

No lema de não acreditar na poesia, muita gente vem misturando frase com letras bonitas e chamando isso de fusão entre poesia e desenho. Risos. Acho que isso também tem a ver com o artista não se garantir em nenhuma das duas vertentes, e por isso ficar em cima do muro.

A questão é que dá certo. O projeto Eu me chamo Antônio, por exemplo, tem quase 900 mil seguidores no Facebook. E só o que se vê na internet são páginas e mais páginas de frases – algumas aceitáveis, outras não – num cenário de desenhos e letras diferentes.

#COMOLIDAR

Não sou contra. Só não gosto e levanto a bandeira pra que não tratem isso como poesia. Acredito que o artista deve ser o mais experimental possível, na medida que se sentir confortável, só que eu, pessoalmente, nunca vou aceitar que o haicai brasileiro seja confundido com o haikai que é uma prática zen, que tem tema ligado à natureza, que tem que ter haimi, um quinteto, um hepteto e outro quinteto, etc, etc.

O importante é que todos nós que gostamos de poesia também acreditemos nela. Acredite que dá fruto, que serve pra alguma coisa. Não só em questão de venda, mas em questão de levar o poema pra rua e falar poesia em voz alta, e falar sobre poesia, e ler tanto os clássicos da poesia quanto os desconhecidos.

PROJETOS DA TERRA

Em Natal, surge agora um projeto que segue a linha de misturar desenho com escrita, o Le Bard, no Facebook. É uma página do potiguar Pedro Bardini, que também é fotógrafo, ilustrador, designer, DJ, e, finalmente, está se descobrindo poeta.

Esse, sinceramente, acho muito mais talentoso. E acredito que está só no começo: Pedro ainda nos surpreenderá muito.

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Regina Azevedo
Poeta, estudante de Multimídia, formada no curso FIC de Roteiro e Narrativa Cinematográfica pelo IFRN, apaixonada por História da Arte e fotografia.
Regina Azevedo

Regina Azevedo

Poeta, estudante de Multimídia, formada no curso FIC de Roteiro e Narrativa Cinematográfica pelo IFRN, apaixonada por História da Arte e fotografia.

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Ciro
Ciro
9 anos atrás

Creio que a maioria das editoras enxerga os livros desta forma (arte/produto). Não é uma particularidade da Jovens Escribas, ne?

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9 anos atrás

[…] contrário do que a poeta e colaboradora deste blog, Regina Azevedo, falou em seu artigo no qual ela critica o status de poesia do projeto “Eu me Chamo Antônio” (livro bastante similar com o de Clarice Freire), na minha opinião, sim, são poemas, mesmo tendo […]

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