Tive o prazer de conferir pessoalmente uma exposição da arte de Ron Mueck. Foi um deleite para os meus olhos, ou melhor, para todos os meus sentidos. Num breve perfil wikipediano: o artista é australiano, tem 55 anos, trabalha na Grã-Bretanha e já teve sua carreira voltada ao cinema, à tevê e à publicidade. Ele trabalha com a técnica da escultura hiper-realista.
Mas Mueck consegue ser muito mais do que simplesmente técnica.
Voltando para a mostra, ela foi exibida na Fundación PROA, museu de arte contemporânea de Buenos Aires, que fica localizado no Caminito, o bairro das charmosas casinhas coloridas. A exibição permanece lá até o dia 23 de janeiro e a entrada custa apenas 10 pesos – faça os cálculos, é um presente! E, uma boa notícia aos viajantes: a exibição sairá de lá diretamente para Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAMRio), onde permanecerá do dia 19 de março ao 1º de junho de 2014.
Por que um deleite para todos os sentidos? As esculturas não têm cheiro forte, não emitem som. Nelas não posso tocar, apalpar… Mas é como se estivessem vivas! É como se as ouvíssemos, tocássemos, cheirássemos. “Se uma daquelas personagens levantasse e saísse andando eu não estranharia”, foi o que o meu companheiro de viagem me falou. Juro como cheguei a ver uma delas respirar, vi o levantar e contrair tranquilos do seu diafragma.
O hiper-real nunca me comoveu muito. O chiaroscuro italiano foi e continua sendo inovador, mas não me comove tanto quanto uma instalação contemporânea bem executada. Desculpa.
E aí está a grande sacada de Mueck. Sacada não, que soa um tanto idiotizado: sensibilidade. São esculturas hiper-reais, de pessoas comuns e em situações cotidianas. No entanto, nos provocam uma sensação esquisita, um estranhamento. Isso se dá especialmente devido a alteração na escala de suas obras. As esculturas nunca estão em tamanho real, como vemos em museus de cera. Elas estão sempre aumentadas ou diminuídas. E são mais verdadeiras exatamente por isso. Em escalas alteradas, melhor nos permitem sermos voyeurs desses estranhos momentos congelados. O grande facilita nossa observação de cada pintinha na pele, de cada ruga, do brilho no olho, do amarelo da unha, da ação do sol na pele, do pelinho saindo dos poros e da dobrinha do tecido. O pequeno nos convida ainda mais pra perto. É impossível não olhar, aproximar-se e ficar fascinado. Ron levou a escultura hiper-realista além.
Isso sem falar nas escolhas das cenas. Na exibição organizada pela Foundation Cartier não são exibidos apenas nove momentos. São nove momentos curiosos e únicos. A mulher não está apenas levando sacolas de compras, mas levando-as com um cansaço universal e ao mesmo tempo só seu no rosto, com um bebê admirado bem acomodado no seu sobretudo. Não é apenas um casal jovem de namorados, tem algo mais acontecendo ali, o que a tensão na mão da menina próxima às costas não me deixa mentir: aquele momento é especial. Não é apenas um casal repousando na praia, são anos de intimidade e relacionamento. E o silêncio fala. Não é apenas um jovem baleado, é sua incredulidade e juventude escorrendo pelo abdômen. Não é apenas uma mulher carregando pedaços de pau, mas, o que ela está fazendo nua? Não é apenas um homem descansando, mas confesso que fiquei com abuso da sua cara de riquinho naquela infinita e azul parede-piscina. Não é apenas um rosto enorme, é um homem que pensa em algo sobre o qual nunca descobriremos. Não é apenas um homem num barco, é alguém que consegue enxergar algo mais à frente que a gente não vê. Não é apenas uma galinha morta, é uma admirável riqueza de detalhes, é um pouco da história de quem a matou e de quem a comerá.
Nota: No fim da exposição ainda houve a exibição do filme-documentário “Still Life: Ron Mueck at Work”, que nos mostra um pouco do processo criativo do artista. Assista a um trecho aqui.
Tentando transver o mundo, como Manoel de Barros bem disse ser preciso.