Acho que o ano era 2004 ou 2005 quando ouvi pela primeira vez uma banda que era batizada com a mesma alcunha de uma famosa personagem do gueto boêmio carioca, cuja notoriedade ganhou proporções nacionais com o filme de Karim AÏnouz (lançado em 2002).
Essa banda que me cativou a atenção, na época, fora a Madame Saatan, grafia distinta da famosa personagem – talvez para não ter problemas com a questão de direitos autorais, ou quem sabe para afirmar que a banda tinha personalidade própria, a começar pelo nome.
O fato é que o projeto tinha motivos de sobra para cativar qualquer um que goste de rock pesado (leia-se heavy metal). Dentre eles, riffs pesados e muito bem executados, uma ótima cozinha, bem técnica e cadenciada na hora certa, uma voz forte, arrebatadora e cativante da vocalista e letras magníficas que faziam leituras subjetivas do belo quadro social brasileiro, da existência do ser e da cultura paraense – sim, eles são da terra do grupo Calypso, que também é a terra natal do Stress, a primeira banda nacional de heavy metal a ter seu registro fonográfico independente lançado comercialmente.
Bom, lá se vão doze anos ou mais e a banda já encerrou as suas atividades. Contudo, a sua vocalista – Sammliz – lançou essa semana o seu primeiro disco solo, intitulado de “Mamba”, e que me surpreendeu bastante. A minha surpresa se deu porque o disco solo da “Sam” é excepcionalmente diferente do que ela fez nos seus mais de dez anos de Madame Saatan.
Enquanto eu esperava – como todo fã espera que o disco solo do principal membro de uma banda seja uma extensão da sua melhor fase com o grupo – guitarra, baixo e bateria bem alinhados e destruindo tudo, como era costume do “Madame”, acabo me deparando com uma obra galgada no “pop rock industrial” e mergulhada em pura poesia.
Eu confesso que estava esperando muito “Hard” e “Heavy”, mas encontrei muitas bases eletrônicas, muitos efeitos, riffs e batidas que se encaixariam perfeitamente em músicas do Nine Inch Nails ou do Placebo.
O Mamba – que é fruto da parceria do Natura Musical e do Governo do Estado do Pará – procura mostrar outra veia da Sammliz, na qual correm – no formato de amálgama musical – batidas eletrônicas do século XXI e o lado poético obscuro que acompanha a “Sam” desde o Madame Saatan, além da sua bela e vigorosa voz, só que agora mais comedida, em total sintonia com a vibe “eletronic modern age”.
No mais, se você espera um retorno da loira belzebu de madeixas cacheadas – fã do Slayer – que acompanhada de três marmanjos fizeram os palcos do underground nacional tremerem e as suas plateias incendiarem rodas de pogo completamente insanas, afaste-se, esse disco não é para você. Entretanto, se você gosta de versos como “eu vou embora na hora mais escura” ou “abrace os meus lados e costure na sua carne” mesclando-se com batidas eletrônicas soturnas, esse aqui é o disco. Então não perca tempo, se jogue na “rave poética” da Sammliz.
Agitador cultural, headbanger, colecionador de vinis, leitor de hq’s e um dos produtores do único bloco de Rock’n’Roll do carnaval de Pirangi, Atrasados Para Woodstock.